AI-5 OU AI-38? OS DOIS?

Certa vez, o filósofo Hegel escreveu:

“…todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorreram, por assim dizer, duas vezes”.

Marx, ao ler o escrito de Hegel, não deixou por menos e não perdoou a falha da memória e da incompletude do  enunciado de Hegel. Deu uma rizadinha maldosa e corrigiu o colega em público:

“E [Hegel] esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Realmente, seria uma história engraçada se não fosse uma farsa de uma tragédia, o que está acontecendo no Brasil de hoje. Uma verdade da história escrita há mais de 150 anos está sendo confirmada pelo governo Bolsonaro.

O AI-5 – decreto instituído e imposto em 1968 pelo autoritarismo da ditadura civil-militar, foi a marca da história como uma tragédia. A conclamação do retorno do AI-5 hoje, por vozes do governo Bolsonaro, é a marca e a prova da história como uma farsa. A tragédia foi proclamada e santificada pela justificativa como “milagre brasileiro” no final da década de 60 e primeiros anos de 1970. Como o milagre era falso, virou uma tragédia. Além da devassa total da democracia, já cambaleante naqueles tempos pela política de repressão da ditadura, as políticas e os decretos que resultaram por força do AI-5 causaram tragédias à economia brasileira e principalmente à qualidade de vida dos trabalhadores.

A história do Brasil há 50 anos configurava-se como tragédia. Portanto, um fracasso. Agora, está se constituindo em farsa. A volta do autoritarismo está se materializando sob o comando do governo autocrático dos políticos civis – sob o comando e as ordens do ex-capitão. Um blefe. Nada mais.

Os apelos intimidadores diários dos bolsonaros – pai e filhos –, do ministro Guedes e de outros aliados pelo retorno do AI-5, são ufanismos nojentos, vergonhosos, horrendos. É o passado triste da nossa história sendo usado como arma de guerra – uma ameaça mortal à nossa já frágil e debilitada democracia. Na verdade, é uma ameaça criminosa de inculcar medo aos opositores e aos insatisfeitos com as medidas e os programas antidemocráticos e antissociais que vem se multiplicando por medidas de grandes e graves prejuízos ao povo brasileiro, sempre com o poder de mentiras e ameaças de repressão violenta.

Ao longo da vida política, Jair Bolsonaro já prestou e continua prestando elogios efusivos à repressão e à tortura, ações praticadas pelo regime militar nos tempos da ditadura. Vamos às falas:

“Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso”. Assim falou o deputado federal Bolsonaro em 1999. E disse mais:

“A atual constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, a uma ditadura, a um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”. Falou isso ainda como deputado. Mas o mais trágico é o que falou no último dia 26 de novembro: “Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é o meu número. Outra pergunta aí?” Exatamente como ele pensa e é – armado de calibre 38 na mão disparando contra os jornalistas.

E o Bolsonaro – filho Eduardo – o que falou? “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”.

E o inventor e instituidor do “milagre brasileiro” de hoje – a farsa da tragédia de 1970 – ministro Guedes não conseguiu ficar de boca calada.

“Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”

Mais uma prova da ciência da história – a primeira vez uma tragédia, a segunda uma farsa da tragédia.

O jornal Folha de S. Paulo publicou estas falas. Este é o motivo de tanto ódio e raiva de Bolsonaro à Folha.

O que é necessário e possível fazer nestas circunstâncias da nossa história?

Desde já: AI-5 às favas!

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.