AÉCIO E O STF: Dois pesos, duas medidas

A decisão do STF, em votação apertada, de 6 x 5, que devolveu o mandato ao senador Aécio Neves, mais conhecido como Aécim, ficará para a história não pelo placar apertado, mas pelos votos dos senhores ministros e pela confirmação de que se constrói a maioria da Corte com olhos bem abertos, dependendo do cliente!

E neste caso, o cliente era um senador do PSDB. E com tucanos, o STF toma precauções na aplicação das leis, segundo os ventos. Quando foi decretada a prisão de Delcídio do  Amaral, inventou-se o “flagrante continuado” porque se dispunham de fitas gravadas de uma reunião em que o senador tentava convencer familiar de Cerveró para que o dito cujo não fizesse acordo de delação premiada. Não havia flagrante, como prevê a Constituição, então apareceu o conceito de “flagrante continuado”. E um Jorge Viana, senador petista do Acre, não apareceu na tribuna, furibundo, reclamando dos atropelos sobre o poder legislativo.

Quando Joesley Batista entregou as fitas de gravação do pedido de 2 milhões feito por Aécio Neves, ao mesmo tempo em que indicava o portador da dinheirama e o ameaçava de morte se viesse a delatar, e quando todos assistimos ao edificante filminho da entrega da mala ao portador e quando o rastreamento do dinheiro mostrou para onde foi a “póprina”, Aécio foi afastado do mandato pelo ministro Facchin, decisão revogada monocraticamente por outro ministro, Marco Aurélio. Corrido um bom tempo, a 2ª. Turma do STF julga, com decisão apertada, que estava certo o afastamento e reimpõe o que tinha sido revogado. Aparece na tribuna, furibundo, o senador petista Jorge Viana a apontar o dedo contra o STF. O embrulho foi para o pleno do Corte, todos os ministros, rigorosamente, compareceram encapados de preto.

Que diz, afinal, a Constituição? Que nenhum parlamentar pode ser preso senão em flagrante delito. Quando este não havia, criou-se o “flagrante continuado”, uma extensãozinha do conceito, mas tudo bem. Extensões de conceitos podem ser feitas sempre que envolvam algum cliente do PT: foi nesta toada que apareceram os conceitos de “domínio do fato”; “propriedade de fato”; “fato consumado” (este para beneficiar o imberbe pastor Deltan Dalagnol). A gravação, o filminho edificante e o rastreamento da dinheirama não constituem “flagrante delito”: primeiro não foram considerados como tal pelo ministro Marco Aurélio; agora deixaram de ser considerados como tal pelo pleno do STF. As sábias decisões do STF criam jurisprudência… mas aquela que prendeu o Delcídio não criou e tudo mudou para Aecim.

Um processo tem que seguir os ritos da lei. Do contrário, estamos diante de tribunais de exceção. E foi um tribunal de exceção que criou as extensões de sentido, elaborando o conceito de “flagrante continuado”. E está sendo um tribunal de exceção a 13ª. longa Vara do juiz Sérgio Moro, um juiz de primeira instância que põe medo ao Conselho Nacional de Justiça e ao pleno do próprio Supremo Tribunal Federal. Está errado. E assim como achamos errado não julgar segundo a lei, com base em provas, condenando Lula a torto e a direito sem qualquer fundamento, também não podemos aceitar que os ritos da lei e da Constituição sejam burlados mesmo que o “paciente” nos seja antipático, como o é Aécim.

 Assim, se as gravações de Aecim não são “flagrante delito”, não pode um ministro ou o pleno do STF afastá-lo do mandato sem que o Senado autorize, prerrogativa constitucional do Parlamento. Também não poderia fazer isso, mas fez, no caso de Delcídio Amaral – e tudo com apoio midiático retumbante. Aliás, quando se trata de “tribunal de exceção”, a mídia detona, retumba e esmaga pessoas a seu bel prazer, desde que sejam desafetos petistas.

Questão totalmente distinta é a existência do “foro privilegiado”, que a Constituição estabeleceu em boa hora, seguindo o que na Inglaterra virou constitucional em 1757. Não se trata de foro privilegiado às pessoas, mas aos cargos. Do contrário, qualquer juizinho desejoso de holofotes – e qual deles não o é, sendo deus como se julga ser – decretaria buscas e apreensões no Palácio do Planalto, nos gabinetes do Senado e da Câmara, mandaria prender e arrebentar… Quando se fala em “foro privilegiado”, ninguém fala que os próprios ministros do STF têm for privilegiado, mesmo quando pegos em flagrante delito!!!  Eles só podem ser julgados por seus próprios pares. Um debate democrático pode levar à suspensão do “foro privilegiado”, mas não cabe aos ministros do STF fazerem isso como se fossem a encarnação divina da nação (o eco é proposital)!

E assim, por maioria apertada, Aécim voltou a seu mandato, mas seguindo o voto esdrúxulo da supostamente frágil senhora Carmen Lúcia, aquela que sabe português e decretou que “presidenta” é um erro!, deve Aécim voltar para casa às 18 horas; não pode conversar com pessoas que possam influenciar no andamento do processo, etc. etc. Realmente, uma graça este voto. Aécim volta ao Senado, mas está sujeito a outras penas que o ministro ou a Turma ou o pleno do STF desejarem aplicar. Assim, levou a ministra ao pé da letra o que diz a Constituição: não pode ser preso a não ser em flagrante delito, esquecendo que também não pode ser investigado. Ora, aplicar penas antes do julgamento é próprio de tribunais de exceção. Se o “jurisdicionado” (como chama ao povo brasileiro a mesmíssima senhora) estiver obstruindo o andamento das investigações, então elas se iniciaram antes da autorização da casa legislativa! Quem vai desembrulhar este pacote?

Se este voto da frágil senhora foi um voto esdrúxulo, mais preocupantes são as razões arrogantes dos votos de Edson Facchin; do ministro Luís Roberto Barroso, o medroso que se tornou defensor dos que o achincalharam por uma decisão jurídica; e principalmente do ministro Celso Melo, que muito à vontade disse que “A Constituição é o que o STF diz que é”!

Gostou? Jamais um policial, um delegado ou uma delegada, como aquela lá de Florianópolis que suicidou o reitor da UFSC, um juiz, um desembargador ou um ministro havia declarado tão peremptoriamente que estamos numa ditadura do Judiciário com a força da polícia que mobiliza ou pela qual é mobilizado. É por estes votos que a decisão a favor do Aécim entrará para a história do país.

Não há dois pesos e duas medidas, já que o Judiciário diz o que é e o que não é lei. Por que não mandam fechar o Congresso de uma vez por todas, sem direitos de aposentadorias e sem salários? O país estaria sob uma ditadura das mais violentas, porque do Judiciário, mas pouparia para os cofres do Sr. Henrique Meirelles ou, quem pode prever?, a dinheirama iria para os auxílios necessários aos procuradores, juízes, desembargadores e ministros… Ganham tão pouco, os coitados!!!   

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.