A valsa

Leio um texto que me deixa confortável na minha/nossa tristeza: é isso! Um texto para não se fazer nada, ou quem sabe chorar ao seu fim, e compartilhar com os amigos dizendo-lhes para não se preocupar, que tudo vai passar.

É um bom texto.

Insaciavelmente, durante o dia, busco outros ainda, que me abracem, que contenham as palavras que queria usar, os meus sentimentos de pesar; E encontro, não um, mas vários, e outros ainda. Todos magistralmente falam da dor que cerca o umbigo.

Pronto, como viciada na minha própria dor já não posso parar de ler. A dor então me visita desde as primeiras horas da manhã, e só vai embora quando eu já não consigo mais vencer o cansaço e ter os olhos abertos, pior ainda quando ela resolve invadir meus sonos, tomando de assalto meu descanso e me faz levantar assustada, às vezes ainda choro.

E então, tem os olhos. Não os meus, estes pouco ou nada importam, mas os olhos outros desse senhor que fala pra mim com palavras de sabedoria (eu sei) que nada disso importa, que poucos leem, e quando o fazem, já não importa.

– Para que mesmo serve meu texto? Para nada! – pois as tragédias continuam a acontecer, e tantas são que se tornam humor, mais do mesmo.

Ninguém se da conta dos que morrem: crianças, pobres, jovens, negros, gays, bichos, floresta, indígenas, famintos, moradores de rua, desempregados, e os meninos do rio que nada fizeram… Estamos todos na linha de tiro de um sniper que atira na cabeça.

– Em mim, atiram no coração! – Mas isso é poesia, o coração não sente nada, e a poesia deve ser apagada, trocada por vale refeição.

Não é verdade, ninguém troca poesia por pão, se fosse possível queria escrever muitas, e ainda mais. Alimentar os que têm fome, não apenas os que têm fome e sede de justiça, mas aqueles todos que ao final do dia não tem nada para levar para casa. Quem sequestrou a dor?

A poesia ser pão.

Queria escrever um texto que ao invés de ser lido, pudesse ler as pessoas, não a ignorância, ou o desconhecimento, não as leituras mecânicas, mas a leitura que dialoga com a gente. Queria ouvir todas as histórias dos meus leitores, não desses que hoje correm os olhos nos textos, dos que sentem e me abraçam. Queria especialmente um leitor que me tomasse pela mão e me fizesse valsar, rodopios de esquecimento do que escrevo, do que leio e do que vivemos.

Valsando uma música sem poesia, apenas melodia, pois a verdade é implacável, ela está nos fatos, não dos que enchem os jornais, estes em geral é comércio. Queria a realidade desnudada de poesia, dessas que a gente sai para as ruas e vê, e não sente,… e não sofre.

Não posso sair à rua e entregar textos. O que farão as pessoas com textos? Notícias? As pessoas não comem papel, então por que diabos, eu insisto nisso? O texto sequer consegue constranger, tirar-nos da letargia, do conforto da nossa dor, para a dor alheia. O jornal é mais eficiente em tudo, eu sei. O jornal é que se alimenta delas, as pessoas, e depois volta para embrulhar-lhes a vida nas calçadas, nas marquises, nos viadutos.

Um texto com alta circulação.

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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