Os movimentos consecutivos e intermitentes dos golpistas desmascaram sua total falta de horizontes nos dois setores fundamentais para a sociedade: a economia e a política.
Descartemos de imediato a economia: eles sabiam desde sempre que o remédio que gostam de aplicar não funciona e somente mata o paciente. Eles não são inteiramente burros. Seus economistas, apesar dos compromissos com o capitalismo financeiro, sabem que a ganância deste e seus lucros no papel, sem qualquer correspondência com o mundo real, jamais produzirá desenvolvimento social. Afinal, o remédio que propugnam já foi testado na Grécia, na Espanha, em Portugal – só para citar os exemplos mais óbvios – e não deu certo! Ao contrário, destruiu a economia destes países. Mas os bancos lucraram muito.
Os espanhóis e os portugueses estão pagando o preço e, diligentes, deram uma quinada mudando de receituário. Os economistas do FMI e do Banco Mundial reconheceram o fracasso da solução que o Ministro da Fazenda, representante dos bancos no golpe, insiste em aplicar para aproveitar o momento de modo a enriquecer os bancos. Promete o que sabe que não dará: emprego e desenvolvimento. A crise somente vai aumentar até chegarmos ao fundo do poço. No horizonte, talvez cheguemos ao estágio do qual teve que se levantar a Argentina. E só se levantou do tempo em que várias moedas de troca estavam funcionando no país, no retorno ao escambo entre bairros e comunidades, quando rechaçou o remédio que os golpistas insistem que devemos tomar.
No campo político, estão girando com cata-vento em dias de tempestade. O grupo de golpista se congraçou com diferentes interesses:
A quadrilha chefiada por Michel Temer, que habitam as siglas PMDB e PP, foi para o golpe movido por duas razões: a) estancar o combate à corrupção; b) manter as fontes de que jorravam recursos ilícitos estancadas desde que Dilma Rousseff e Graça Foster afastaram os diretores que os representavam na Petrobrás. Precisavam retomar a fonte e garantir sua tranquilidade. Não conseguiram o primeiro objetivo e estão perdendo por completo as fontes alternativas à Petrobrás! Restam a este grupo as comissões sobre privatizações, mas o campeão José Serra que sabe o caminho desta fonte se retirou do governo como uma ratazana sábia que pressente o naufrágio.
Os tucanos, chefiados pelo inconformado Aécio Neves, menino que sempre teve tudo o que quis, mas que os brasileiros insistiram em não lhe dar o presente mais cobiçado, foram para o golpe por duas razões: a) sabiam que pelo voto popular não voltariam ao governo; b) queriam continuar a obra iniciada no período FHC que não teve tempo de vender tudo rezando pelo catecismo do neoliberalismo mais tacanho. Como os tempos são outros, como a crise de 2007/2008 do capitalismo financeiro ainda persiste, como não há grande disponibilidade de sobras de recursos na matriz a que servem, o projeto não está dando certo. E para a infelicidade ideológica dos tucanos, parece que somente a China tem recursos para comprar o que querem vender… e a China pertence aos BRICS, sigla que eles desconhecem como bem demonstrou o fantasma José Serra. Soçobrando o navio, FHC abandona o barco e sai defendendo eleições gerais… Quer agora legitimidade para o governo! Preocupado com o que dirá a história a seu respeito, realiza o gesto de traição a seu grupo para que sua vaidade sobre o futuro histórico lhe faça alguma referência positiva.
A mídia sempre foi golpista! E se associa a quem quer que seja. Seus objetivos são bastante claros: verbas de publicidade e propaganda. A moeda de troca é a propaganda ideológica, a lavagem cerebral que tentam fazer cotidianamente. Mas há uma novidade que os repugna: existe a internet e eles não conseguem mais ser a única voz. Vozes destoantes têm, hoje, espaços de manifestação. Para seu gosto de discurso único, lutariam despudoradamente pelo fechamento de todas as redes sociais e reintroduziriam os calabouços para neles enfiarem todas as vozes dissonantes. Não estão conseguindo… e começaram a se digladiar entre si: a OIA move-se 180º. Os jornalões paulistas não se acertam com a Rede Globo! Esta quer a queda imediata de Temer e eleições indiretas; aqueles querem que Temer entregue a fatura das reformas e se equilibre até 2018, quando um candidato tucano poderá apresentar um programa de governo com benesses ao estilo populista de Dória.
O sistema jurídico do golpe responde a seus interesses específicos. Brandindo a bandeira da luta contra a corrupção, na verdade pretendiam afastar para sempre a ideologia nefasta de construção de um Estado de Bem Estar Social, que abominam. Prestam seu serviço a interesses do Departamento de Estado dos EEUU. E ao mesmo tempo agem como uma força independente, como se não pertencessem ao grupo do golpe. Até o inefável e teórico que vive a citar a si mesmo como fundamentação para suas denúncias, este imberbe Dallagnol, vem a público dizer num Congresso de Cirurgia Plástica, que agora são os “golpistas dos golpistas” porque estão levando para a cadeia alguns membros do golpe (por enquanto, de fato, somente o descartável Eduardo Cunha). Mente descaradamente o procurador, porque assume como feito de sua equipe o que foi feito por outros. Eles sempre disseram, quando se tratava de delações que incluíam seus apaniguados e companheiros ideológicos, que “isso não vem ao caso”. Mas outra equipe, em Brasília, acaba por puxar o tapete de seus cuidados e trazer a público a delação da JBS!!! A República de Curitiba, que agora quer surfar na onda dos outros, nada teve a ver com isso! Ao contrário, ficou furiosa como todos sabem. A equipe de Brasília lhes deu um show de competência que não eles não têm; eles só têm convicção; Brasília tem provas!!! Resta à República de Curitiba tentar embarcar na nau dos vencedores. É o que andam fazendo Sérgio Moro, absolvendo, e Dallagnol acusando sem provas e abocanhando o trabalho dos outros.
De fato, entre os golpistas que agora nadam contra a correnteza, sobrarão a mídia e o sistema judicial. Eles implantarão uma ditadura jurídico-midiática que terá na polícia sua força física, já que as Forças Armadas não estão querendo entrar em nova aventura. Sabem o preço histórico que paga agora sua ditadura de 20 anos: a história não perdoa. Do outro lado, contra a implementação, jogam os movimentos sociais e as ruas. Impossível, hoje, dizer quem levará a taça da vitória, ainda que a gente torça agora pelo lado ainda mais fraco.
De roscas espanadas, sem parafusos que as atarraxem, os golpistas giram e brigam entre si. É um salve-se quem puder, afinal quem tem cu teme Temer, teme o sistema jurídico e seus julgamentos políticos, teme o poder de fogo da mídia.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Comentários