“O sucesso do trabalho de exclusão levado a cabo pela censura inquisitorial espanhola parece suficientemente documentado para o século XVI e para uma boa parte do século XVII. Evidentemente, essa exclusão não podia ser integral – conhecemos bem, sobretudo para o caso português, a importância da circulação de obras manuscritas, mas o problema não é saber quantos livros proibidos ultrapassarm as barreiras inquisitoriais, quantos livros foram conservados ou quantas pessoas os leram. O problema é que esses livros não tinham condições para serem produtivos. Eles podiam ser compreendidos e assimilados individualmente, mas não podiam ser incorporados nas conversas cotidianas, não podiam ser citados e integrados nos novos textos, não podiam servir de referência explícita e não podiam ter um papel efetivo nos movimentos de opinião das elites letradas. A perspectiva de Pinto Crespo, segundo a qual a censura deve ser avaliada não apenas pelas exclusões mas sobretudo pelo condicionamento da produção intelectual, obtido pelo trablaho de legitimação dos títulos autorizados, é perfeitamente válida. É preciso calcular a eficácia dos mecanismos de censura não do ponto de vista d eum controle absoluto, sempre irrealizável, mas de um ponto de vista comparativo, seguindo as continuidades e descontinuidades no diálogo produtivo com o movimento de ideias europeu.”
(Francisco Bethencourt. História das Inquisições. Portugal, Espanha, Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo : Cia. das Letras, 2000, p. 207)
Hoje a função da censura é exercida pela grande imprensa, que não só censura dizeres mas também fatos que não merecem qualquer menção! Assim, mesmo vazando depoimentos da Lava Jato, certos políticos citados ficam como não citados; certos caminhos de exclusão dos interrogatórios ficam ignorados. Por exemplo: o próprio Delcídio Amaral já havia sido inocentado de investigação anteriormente, mesmo que citado! Afinal, ele provém das hostes do PSDB. Mas agora caíu, e deve estar preocupando uma possível delação premiada dele: abrirá o jogo sobre os tempos em que era diretor de Gás e Energia da Petrobrás? Ou manterá inocentes os tempos de antanho?
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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