“Agora tenho saudade do que não fui”. Manoel de Barros, invenção genial.
A matemática da vida – da idade – é a matemática mortal da lei “soma zero”! Cada ano que passa somado aos anos já vividos é um ano subtraído dos anos a viver. A lógica é fácil: a cada ano que festejo o aniversário de mais um ano vivido é uma festa a menos para celebrar. Hoje, 19.02.2019, passo ter um ano a menos para viver dos cem anos que me dei de vida. Razão impiedosa, porque não consigo entender os motivos de celebrar, comemorar e festejar o dia e ano de nascimento. Como comemorar o dia 19 de fevereiro de 1944? Já vivi 75 anos, ou, 27.375 dias. Tô precisando rir. E agradecer ao acaso. E a todas e todos com quem convivi e convivo. Até quando, não sei.
Se por acaso na idade do meu nascimento já estivesse em moda e em vigor o planejamento familiar – o poder de escolha e a decisão do número de filhos na família, a pílula anticoncepcional, a camisinha – e não houvesse mais o império dos cânones sagrados do cristianismo, segundo os quais o homem e a mulher casados só podiam praticar o coito – o gozo corporal – para ter filhos, eu jamais teria a chance de ser concebido, de nascer e de existir. Décimo primeiro, e último, filho de um casal de cristãos praticantes e cumpridores rigorosos dos dogmas da Igreja Católica.
No dia do aniversário, muito mais do que nos demais dias do cotidiano da vida, me lembro do passado. Sinto saudades do que fui lá na infância. Vivia, corria, brincava na terra. Pulava entre as formigas e escapava para longe para não ser picado por elas, pelas abelhas, pelas vespas. Caçava passarinhos com bodoque, me divertia olhando os patos, os gansos, os marrecos tomando banho em açudes que construía com meu irmão. Trepava nas árvores bem altas e frondosas. Adorava contemplar o nascer-do-sol e o pôr-do-sol. Maravilhas da natureza – paisagens – que me fascinam, encantam e emocionam ainda hoje.
Já falei e escrevi que memória e saudade do passado todos temos. Memória e saudade do futuro, Bakhtin inventou e Wanderley Geraldi ressignificou. Saudades do que não fui, Manoel de Barros inventou.
E por falar de memória, numa bela noite do ano de 2010, num teatro de São Carlos, no intervalo do espetáculo teatral, o diretor e animador apareceu em meio às cortinas altas do palco e falou ao público: “a gente só dá atenção e importância aos velhos o dia que vira um deles”. Alguns espectadores riram, outros bateram palmas, outros mais se entreolharam e permaneceram sérios. Aos 75 anos, sinto muito bem quanto o apresentador do espetáculo tinha razão. Ele disse uma verdade melancólica. A velhice nunca foi, não é e não será nunca a “melhor idade”. Muitos – muito inteligentes, pensadores, filósofos, psicólogos, artistas da cultura clássica e da cultura grotesca – já falaram, escreveram que a velhice é a pior idade. Defende.
A grande maioria de velhas e de velhos enfrenta a solidão sem misericórdia e sem fim.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
Como velho q sou me solidarizo com o menos um ano para viver. Mas o pensamento como o seu vivem mais e são mais rápidos.
Kuiava, tenho acordo que a cada ano no aniversário é um a menos na vida. Tenho sentido isso após os 50 e mesmo com as qualidades de uma “aquariana”que vibra com gente e comemorações, tenho preferido ficar a sós, não a solidão. Fiquei feliz de saber q vc tbm é aquariano kkkkk Abs e parabéns!