Em março deste 2016, mais de 190 deputados assinam o Projeto de Emenda Constitucional que imporá, na Carta Magna, a exigência de que todo candidato a cargo público através de eleições deve comprovar, para se candidatar, que é portador de diploma de ensino superior.
Na justificativa fajuta para tal proposta, afirma-se que algum com curso superior tem mais capacidade de perceber, analisar e compreender a realidade social. Como é de se supor, os assinantes da proposta devem ser todos portadores de diploma de ensino superior.
Ora, considerando que a sociedade brasileira é muito pouco escolarizada, pois ainda sequer atingimos a universalidade na oferta do ensino básico (ainda que tenhamos tido um avenço considerável e quase a totalidade das crianças em idade escolar estão matriculadas) para toda a população, fato tão verdadeiro que a própria constituição reza que o direito à educação inclui os adultos que não tiveram direito à escola no tempo em que normalmente ela é frequentada.
Mais ainda: até 1998, tínhamos o mais baixo índice de matrículas no ensino superior de jovens entre 18 e 25 anos! Perdíamos para todos os países da América Latina. O ingresso no ensino superior de uma mais ampla camada da população se deve a alguns programas recentes, introduzidos pelos governos petistas: o PROUNI, com bolsas de estudos para estudantes em escolas particulares de ensino superior; o REUNI, que muito sabiamente articulou o aumento de verbas para as universidades públicas federais à expansão da oferta de vagas nos cursos de graduação; o FIES que passou a ter um número elevado de estudantes com financiamento para realizarem seus cursos superiores; aumento assombrosamente elevado do número de universidades públicas federais e por fim a transformação dos Institutos Técnicos em Centros Universitários que lhes permitiu aumentar sensivelmente a oferta de vagas no ensino superior. Mas isto só ocorreu nos últimos 10 anos. Foi preciso que um operário assumisse o governo federal para que se compreendesse que a educação superior é um direito dos brasileiros. Antes disso, mesmo o príncipe dos sociólogos, saído dos meios universitários, consideraram o ensino superior algo digno de atenção! Antes pelo contrário, toda a tentativa era de aumentar as escolas particulares e sucatear as universidades públicas.
Até mesmo observações feitas sem cuidados científicos revela a baixa escolaridade da população brasileira. Em encontros com quase 1.700 professores das redes de ensino do interior do estado de Sergipe, em que 98% dos professores têm curso superior, solicitei que escrevessem num papel, para olharem e tomarem consciência do fato, qual a escolaridade de seus avós paternos, de seus avós maternos, dos pais e a própria escolaridade. Pois em quase 1.700 professores, apenas 6 (SEIS) deles tinham o pai ou a mãe portadores de diploma de ensino superior! E destes 6, 4 eram filhos de mãe com licenciatura feita recentemente, pois eram professoras antigas com apenas o curso normal, e voltaram a estudar porque as carreiras de professores valorizam o término do curso superior (aliás, atualmente uma exigência legal para o exercício da profissão).
Em nenhuma outra categoria profissional houve isso: numa única geração passar de pais de baixa escolaridade, quando não analfabetos, a filhos com curso superior, alguns com mestrado e doutorado.
Ora, introduzir na política a exigência que propõe a PEC é excluir da cidadania plena a maioria da população brasileira, que somente poderá ser eleitora, mas jamais eleita. É engraçado que deputados com curso superior assinem tal proposta, porque revela sua falsa compreensão da realidade brasileira, sua falsa compreensão da política e sua falsa compreensão dos fins de um curso superior! Ou ao assinarem a proposta, desvelam com todas as letras seu pendor à exclusão social.
É quase incrível que entre os mais de 190 deputados, haja alguns do partido do ex-presidente Lula. Afinal, esta PEC poderia ter o nome de MEDO DE LULA, porque esta é a razão inconfessável da proposta, que, obviamente, salvaguarda os direitos dos atuais eleitos continuarem concorrendo em futuras eleições mesmo não tendo diploma de curso superior! Legislar para excluir; legislar por medo de um candidato à presidência, legislar salvaguardando interesses próprios parece ser a tônica da nossa atual Câmara de Deputados.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Comentários