A “Operação Vingança” no Jacarezinho e o fascismo

Os acontecimentos de Jacarezinho, com seus vários dias de uma verdadeira guerra, com as pessoas estocando alimentos para evitarem ter que sair de casa por não saberem como será o dia de amanhã, na operação que a comunidade já batizou de “Operação Vingança”, é reveladora do esgarçamento a que chegou a sociedade brasileira.

Antes de tudo é preciso dizer que a própria existência de uma favela já resulta da estrutura social brasileira que não conseguiu ao longo do século XX e começos deste século ultrapassar as consequências do regime escravocrata. Políticas de inclusão social foram apenas iniciadas nos governos populares (imediatamente chamados de “populistas” pela elite e pelos seus letrados cujas penas estão sempre dispostas a fabricar conceitos para manter o regime de privilégios). Deste “populismo” resultou a CLT, que o governo atual engavetou para sempre com sua Reforma Trabalhista, isto é, com a desistência do Estado de ser mediador entre o capital e o trabalho, função máxima para qual existe na sociedade capitalista. Deste mesmo chamado “populismo” emergiram as políticas de distribuição de renda com aumentos sucessivos da renda do trabalhador, os programas que combateram a fome (mas este governo em pouco tempo já recolou o Brasil no mapa da fome!), os programas educacionais que incluíram desde cotas até aumento inacreditável de vagas nos cursos superiores. Tudo acabará no decorrer deste ano e do próximo: afinal, qualquer programa que inclua o povo neste país será imediatamente chamado de “populista”.

Donde, a existência da favela é já uma denúncia. E agora esta guerra em que se vinga a morte do policial Bruno Guimarães Buhler – e não estou dizendo que isso não foi um crime – vem fazendo vítimas que são moradores infelizes num lugar que não deveria existir.

Mas que isso tem a ver com o fascismo? Pois não é que recebo a seguinte mensagem, assinada por Fernando Horta:

Querem unir este país e deixar os fascistas do lado de fora? 
Juntem-se todos, juízes garantistas, promotores, deputados, professores, artistas, ONGs de direitos humanos, jornalistas, classe média branca progressista, senadores, e vão para o Jacarezinho ficar do lado da população contra os absurdos do Cardeal crivella e seus verde oliva amestrados. 
O Rio vira e o Brasil também.

O problema é que este individualismo tosco ensinou a cada um aguentar as humilhações sozinhos, como se fossem os “fardos bíblicos”. Precisamos resgatar o sentido de coletividade.

Edit 1: Para quem vivem me cobrando para “dizer o que fazer”. Este é o momento, quando a conjuntura oferece um momento de inflexão em que romper com a estrutura é eticamente justificável e coletivamente justo. Aí deve-se aplicar a força. Uma vez rompida a estrutura ela mesma se encarrega de propagar as ondas de choque a outros pontos e outros sujeitos, promovendo um efeito em cascata. Desde o golpe, perdemos, que eu tenha contado, uns quatro momentos deste. Eis mais um.

Ao propor o emprego da força, num choque que se propagaria para outros pontos e ao se perguntar – e implicar – que é impossível uma união de todos sem incluir os fascistas, esta mensagem seguida de inúmeros comentários, este que se assina como Fernando Horta está pregando o fascismo como uma solução, uma solução armada, para equilibrar o país!

O integralismo de Plínio Salgado e seus seguidores de camisas marrons, naquela versão tupiniquim (que me desculpe o povo tupiniquim pelo sentido que esta expressão adquiriu na língua), era “pacífico” perto das propostas de força que aparecem nas mensagens em circulação! Como se a “Operação Vingança” já não fosse um emprego da força!!! E um emprego de força que somente aumenta o esgarçamento da estrutura social, sem jamais a reequilibrar! Como pode um pensamento como este, nazifascista, ter uma memória tão curta? Tão tacanha?

E a reclamação de que eles estariam fora da “união de todos” é realmente de causar gargalhadas… como se eles não proviessem precisamente das classes sociais privilegiadas e por isso mesmo sempre no bojo daqueles que definiram e definem os rumos deste país, produzindo as favelas que não deveriam existir!

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.