A Madre Superiora contra os professores

A senhora ministra Carmen Lúcia, aquela que sabe português e não aceita ser chamada de “presidenta” e que felizmente deixará o lugar de Abadessa do STF, passando o bastão para outro bem pior do que ela, um tal de Dias Toffoli, pois é: esta ministra bela despachou no processo movido pela APEOESP, que tinha ganho de causa nas instâncias inferiores, contra os professores de São Paulo.

Desde o surgimento do piso salarial para a categoria, mais uma das conquistas sociais do governo Lula, há uma luta intestina nos estados e nos municípios. Trata-se da manutenção da carreira dos professores e o pagamento do piso salarial. Toda vez que o piso é reajustado, para manter a carreira, necessariamente os salários dos demais níveis deveriam receber o mesmo reajuste. Do contrário, a carreira fica sem sentido e o piso salarial, com seus reajustes anuais, acabaria por ser, ao longo do tempo, não mais piso, mas teto salarial dos professores.

Conheço a luta sindical dos professores em defesa de suas carreiras, conquistadas há muito tempo. Acompanho mais de perto a questão no estado de Sergipe, por ser sócio honorário do sindicato dos trabalhadores em educação – o SINTESE.

Certamente há que se fazer ajustes nas carreiras: muitos municípios não conseguem ao mesmo tempo manter o pagamento do piso e as diferenças entre os níveis da carreira. Talvez a diferença salarial de um nível para o outro deva ser revista, para não destruir possibilidades de outros avanços sociais, até que este país chegue a uma sociedade mais justa e menos desigual. Faz parte do caminho histórico descontruir as desigualdades e isso demanda tempo ou revolução direta e com armas. Os professores sabem disso e são os primeiros a defender a redução das desigualdades.

Mas isso não justifica destruir a carreira, negando simplesmente o reajuste que se dá ao piso para os demais níveis da carreira! Uma coisa é a revisão discutida democraticamente da diferença salarial entre os diversos níveis das carreiras; outra coisa é destruir as carreiras, o que resultaria da sonegação do reajuste igual àquele concedido ao piso salarial.

Pois foi assim que entendeu a justiça de São Paulo, na primeira instância e na segunda instância. Mas o candidato à presidência, Geraldo Alckmin, consultada a Opus Dei, não aceitou o reajuste determinado pela justiça de seu estado. E a procuradoria geral de São Paulo recorreu ao STF, lá onde tudo que é direito social é cassado pela “colegialidade”, o novo conceito jurídico que justifica qualquer coisa e qualquer voto.

Não é à toa que em pesquisa recente, 90,3% dos entrevistados considera que a justiça não trata todos de maneira igual. No mesmo STF em que o auxílio-moradia para juízes e procuradores é assegurado por despacho monocrático do punitivista confrade Barroso (a um custo de 817 milhões na lei orçamentária), a presidenta do STF despacha contra o aumento para os professores do depauperado estado de São Paulo.

E pasmem: no despacho diz que tal aumento de salários dos professores – a categoria profissional que exige curso superior para seu exercício que ganha mais ou menos 80% abaixo do que das demais categorias que fazem a mesma exigência) feriria “a ordem e a economia públicas”.

Vejam bem: o salário reajustado dos professores paulistas feriria A ORDEM PÚBLICA!!! Que crie problemas orçamentários no estado, necessitando reajustes na execução do orçamento, é normal (talvez o Paulo Preto possa fazer um emprestimozinho a São Paulo, trazendo um pouco dos milhões das contas suíças! Afinal trata-se do grupo do mesmo partido!). Mas ferir a ordem pública é demais…

Todo mundo neste país sabe que os professores brasileiros são mal pagos!!! Mas reajustes em seus salários fere “a ordem pública”… E quem define o que seja “ordem pública”? Lembro que foi um dos argumentos para a implantação da ditadura militar. Agora é repetido como argumento para a ditadura do judiciário!!!! E o pior que o despacho será seguido por todos os municípios e estados do país!

Acontece que é preciso economizar recursos públicos para pagar os novos auxílios (sobre os quais não incidem impostos, porque são tidos como pagamentos indenizatórios) que juízes e procuradores sonham receber: o auxílio gravata, o auxílio taier, o auxílio refeição (para comer em restaurantes) e o auxílio alimentação (para comer em casa), o auxílio universidade (para manter os filhos nas universidades, mesmo que públicas… Epa! Parece que este já existe.), o auxílio sapato; o auxílio cuecas e calcinhas; o auxílio transporte (mesmo sendo carregados por carros oficiais); o auxílio amante (para manter os casos extraconjugais que ninguém é de ferro); o auxílio camisinha (para evitar gravidez indesejada ou doenças venéreas). A lista pode ser infinita.

Enquanto isso, nada de reajustes nos salários dos professores para garantir suas carreiras. Isso é contra “a ordem pública” segundo a ministra Carmen Lúcia.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.