Se há alguma novidade entre nós, ela fica por conta dos estudantes. Seu movimento de ocupação de escolas, iniciado em São Paulo, e depois espraiado a quase todos os estados, mostra que se tratam sempre de ocupações com foco específico em alguma das políticas educacionais postas em andamento pelos respectivos estados.
Para além das vitórias dos diferentes movimentos, há algo que sobrará definitivamente para a sociedade brasileira: a emergência de novas lideranças num ambiente totalmente contaminado da política. Estes jovens que vem chegando serão políticos no futuro? É possível. Serra, por exemplo, vem das hostes estudantis, mas ambicioso até a medula, traiu o que pensava em busca de cargos políticos.Abandonou descaradamente profissões de fé, desde que tais abandonos lhe valessem qualquer mínimo degrau na escalada do poder. Não é, portanto, garantia que lideranças forjadas na luta estudantil venham a ser lideranças que defendam o Estado no futuro próximo. Como Serra, poderão virar casaca e passarem a defender governos, onde se exerce o poder, e não o ambiente de construção social de que o Estado é um instrumento enquanto não chegarmos a outro num futuro imprevisível.
Mesmo assim, só merecem elogios as ocupações e a generosidade desta juventude que está ensinando, neste momento, que para além da economia, no sentido de pão-durismo e acumulação de superávites para transferir recursos para os banqueiros, que em verdade não têm o menor interesse em receber o que lhes devem os Estados, mas somente receber os populdos juros que já pagaram a dívida, os estudantes enxergam a vida vivida por eles mesmos, por seus pais, pelo seu entorno. Há vida para além da economia financeira. Ainda todos se alimentam, ainda todos caminham, ainda todos querem ser felizes. Mas os bancos não deixam, os economistas de governos lhes servem. Não defendem o Estado no seu sentido de instrumento de construção de uma sociedade mais justa, mais equânime, mais feliz. Defendem governos que defendem interesses de bancos.
Talvez o exemplo nacional mais típico de um governo de estado que não defende o Estado e sua população é aquele que existe há anos em São Paulo. Enfrentado pelas ocupações estudantis, eis que o governador se mostrando sensível ao prejuízo que causaria a mais de 300 mil estudantes, suspende a reorganização escolar, troca de secretário e faz o jogo de cena de que passou a defender o Estado enquanto governo.
Como se sabe, nestes anos todos de política neoliberal em São Paulo, já não resta o que vender. O patrimônio público estadual já se foi todo. Para um político no executivo, se sua linha de pensamento é neoliberal, trata-se de vender, vender para fechar contas. Quando não há mais o que vender (Alkmin se queixou quando sucedeu a Serra de que não sobrara nada para vender), o que faz um guarda-livros para fazer bater crédito e débito? Como os governos neoliberais não são constituídos por administradores, mas por guarda-livros e estes não tendo mais o que vender, reduzem a ação do Estado, mesmo que isso venha a prejudicar sua população.
É o que faz Geraldo Alkmin, ai de mim, em São Paulo. Faz o jogo de cena na negociação com os estudantes, não fecha diretamente as quase 100 escolas que pretendia fechar – possivelmente para vender os prédios, falta fazer um estudo das localizações das escolas a serem fechadas para ver se não era o interesse imobiliário que movia o projeto – mass proíbe matrículas nas séries de ingresso no ensino público estadual. Em 158 escolas do estado governado pelo neoliberalismo há tantos anos, não houve, não haverá matrícula nas séries de entrada: nos anos inciais (1o. e 2o. anos), no 6o. ano (muito antigamente este ano representaria a passagem do primário para o ginásio), e no 1o. ano do ensino médio.
Geraldo Alkmin negocia, se mostra democrático, ouve os estudantes… tudo jogo de cena. Fecha turmas, não permite ingresso na rede estadual, e com isso vai fechando as escolas que quer e que poderão ser em maior número do que aquele divulgado pelo projeto de reorganização escolar, supostamente adiado para 2017.
E a juíza Carmen Oliveira, da 5a. Vara da FAzendo Pública, questiona a proibição de ingresso, e uma procuradora do estado, que não defende o Estado, mas o governo do estado, seja ele qual for – ao contrário por exemplo da tão elogiada Força Tarefa da Lava Jato que estaria defendendo o Estado e não o governo, mas que peca por perseguição partidária. A procurfado do estado de São Paulo, defensora do governo do estado de São Paulo, defende que todos os casos de não ingresso “são excepcionais”, ou seja, não respondem a uma política de diminuição da ação do estado na área da educação.
Ora, como sabemos, para o pensamento neoliberal, educação e saúde são bens. E bens tem quem os pode comprar! Este o modelo da matriz, este é o projeto do neoliberalismo tupininiquim, medíocre como projeção de futuro. O problema é que está encontrando resistência, resistência que vem do âmago dos princípios mais profundos da sociedade brasileira, a de que há direitos e que direitos não são bens a serem postos no mercado para a venda e compra.
Felizmente, num estado que não conta com uma procuradoria estadual que defenda o Estado, já que ela só defende o governo (age assim neste caso das escolas, age assim no caso do tremsalão, age assim contra qualquer oposição, etc etc.) resta ainda a o Ministério Público de Contas, único espaço em que a defesa do Estado ainda persiste, insiste, resiste. Por quanto tempo?
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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