A bruxa de Amsterdã, de Jan Willem Van de Wetering

Um romance policial cuja trama envolve um assassinato (algum romance policial existiria sem um assassinato?) na pacata Amsterdã onde dificilmente a polícia se vê envolvida em casos de morte.

O Serviço Secreto havia pedido que a polícia ficasse atenta a um barco-residência. Nelo morava apenas uma mulher de extrema beleza, mas recebia visitas masculinas: homens importantes – um diplomata belga, um coronel que sabia segredos nucleares e um grande empresário holandês.

Maria von Buren vivia sozinha. Seu barco era muito luxuoso. A dupla de policiais constituída pelo sargento-investigador de Gier e investigador-assistente Grijpstra passavam pela rua, atentos a algum movimento, algumas vezes na semana. E eis que a Chefatura recebe um telefonema de um vizinho estranhando que o gato de Maria von Buren não saía de sua casa e que há dois dias não via sua vizinha.

Com um mandato judicial, os policiais vão ao barco, conversam com o vizinho, arrombam a porta e encontram Maria von Buren morta: uma faca arremessada pelas costas a matara há dois dias. Os policiais chamam a Chefatura para a polícia técnica e o médico comparecerem ao lugar. Procuram não tocar em nada para não desfazerem possíveis provas. Mas Grijpstra percebe que a vítima cultivava muitas ervas. Fala disso ao médico, que consulta um colega biólogo e descobrem se tratava de plantas venenosas, muito usadas em bruxarias…

E eis que está formulada a hipótese: ela seria uma bruxa. E a investigação começa, imediatamente com o interrogatório do vizinho, para descobrir informações sobre Maria von Buren. Será ele quem dirá as marcas dos carros das pessoas que frequentavam a mulher e também dará a informação sobre um homem que sempre vestia colete vermelho que aparecia sempre aos domingos, acompanhado de um menino com sua bola.

Este estranho visitante será a primeira hipótese dos policiais. No entanto ele lhes contou que sempre ia para aquela região da cidade para passear com o filho, que certa ocasião a bola caíra no canal e que a mulher havia permitido que pegassem de dentro do barco. Veio daí o conhecimento, e ela sempre lhe oferecia um café. Nada havia entre eles.

Seguem-se os interrogatórios com o coronel norte-americano que apresentou seu álibi; com o diplomata belga que também tinha um álibi e por fim com o empresário holandês, Drachtsma. Este disse que no sábado do crime estava com visitas em casa, empresários alemães. A polícia alemã confirmou o álibi. Assim, estavam os policiais praticamente sem pistas: nenhum crime passional, os três amantes com álibis confirmados. Sem muitas saídas, insistiam com o homem do colete vermelho, amedrontando-o ao o chamarem para vários depoimentos.

Na ficha de Maria von Buren descobrem que ela nascera em Curaçao. O comissário da polícia e chefe da investigação resolve ir para a ilha, tentar descobrir alguma pista. Lá fica sabendo que o pai da vítima a havia expulso de casa por ter descoberto que ela vivia como se fosse uma prostituta de luxo. Ele era um bem sucedido empresário, tivera outras filhas, mas não admitia o modo de vida de Maria. Fica sabendo também que nas últimas visitas de Maria à ilha, ela se hospedava num hotel e que frequentava um curandeiro, um bruxo, de nome Shon Wancho. O comissário resolve ir à sua casa para interrogá-lo, no entanto não consegue fazer isso: simplesmente fica em silêncio junto com Wancho na varanda da casa, depois de tomar um chá. Dorme e ao acordar vai embora.

Visitando um velho marinheiro, fica sabendo que Maria von Buren tinha um irmão por parte de pai, um filho bastardo que fora marinheiro, quer servira com o velho capitão, mas que desistira da vida de marinheiro, se tornara fanático cristão sempre com a Bíblia na mão. Rammy Scheffer vivia na Holanda, mais precisamente na mesma ilha em que vivia o empresário Drachtsma. Imediatamente as suspeitas recaem sobre este irmão, que vivia como guarda florestal na ilha.

De Curaçao o comissário manda um telex para seus investigadores. E estes, sempre como acontece nos romances policiais, estavam precisamente na ilha onde pretendiam se passar por observadores de pássaros. Seu colega Buisman, habitante de ilha, ao descobrir que eles ‘gostavam’ de pássaros, leva-os numa madrugada a reserva para observarem as aves. Aparece o guarda Rammy: os policiais sem saberem de nada conversam com ele. Mas de repente a sirene de um barco policial chama e de Gier recebe o telex.

Rammy foge em seu barco. E começa a caçada… não sem tiros do assassino, não sem aviões de reconhecimento, e todos os ingredientes próprios do romance policial. Obviamente, Rammy é preso mas tem um ataque de pânico: vai para uma clínica para doentes mentais.

O comissário, retornado de Curaçao, também vai para a ilha e fica por lá uns dias. Buisman, que fora atingido pela espingarda de Rammy e Grijpstra que teve uma pneumonia estão sendo cuidados pela mulher do primeiro, uma antiga enfermeira. De Gier vai visitar o amigo, e a enfermeira lhe conta dos “amarilhos”, comuns na ilha. São árvores que secam, caem e os ventos rolam seus troncos pelas estradas e caminhos, parecem entes vivos a perambular, até que morrem no mar. E ela também fala do empresário: não gostava dele e disse ter ouvido uma conversa dele com o guarda florestal: dizia-lhe o empresário que o mal deve ser retirado da terra… uma referência óbvia a Maria von Buren, a bruxa. E então se fecha o círculo investigativo: Drachtsma usara o fraco Rammy como seu instrumento para assassinar Maria von Buren, que graças a suas bruxarias mantinha o empresário sob seu domínio.

Num jantar na casa do empresário, o comissário conta a história dos amarilhos… Na verdade, uma analogia. Os troncos dos amarilhos usam outros galhos, fazem-se viviso pelo vento, mas morrem na praia…

O último capítulo, como em todo romance policial, trará a chave e a explicação. Drachtsma quase morto revela ao comissário e a de Geir que ele usara Rammy para matar Maria von Buren.

O romance tem todos os ingredientes próprios do gênero: uma vítima, nenhuma pista, o trabalho de investigação que vai levantando suspeitas, vai descartando hipóteses, mas que sempre chega à revelação do criminoso e dos pormenores do assassinato. Tudo brilha sob a clareza da investigação, como muito bem apontou Roger Callois, em seu estudo sobre o romance policial.

Referência. Janwillem van de Wetering. A bruxa de Amsterdã. Tradução de Álvaro Hattnher. São Paulo : Brasiliense, 1988.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.