Começo dizendo que não é verdade que a água bateu na bunda de muita gente só agora. Embora isso, em grande parte, seja verdade. É que não posso fazer esse discurso uma vez que já esteja afogada em meio mar, pulando nas pontinhas dos pés para buscar ar.
Quem acompanha o que escrevo sabe que há muito tenho dito de várias questões que advém de 2013: impeachment da Dilma, reforma trabalhista, governo Temer, assassinato de Marielle, prisão de Lula, esgarçamento das instituições democráticas, e, sobretudo e em tudo isso, a ascensão na sociedade da direita e do conservadorismo, caracterizadas em práticas racistas, preconceituosas, e fascistas.
Não poderia dizer de outro modo que não fosse confessando pela ignorância meu desconhecimento dos grupos paramilitares ou chamadas Milícias. Até bem pouco tempo imaginava eu que fosse uma organização muito mais adepta do “jeitinho brasileiro” de garantir segurança. Aqui na minha ingenuidade pensava ser algo como as rondas noturnas, em que motos passam na vizinhança assegurando com seu alarme a patrulha. E, esse país continental tinha muito mais guardado, e nisto devemos agradecer ao cinema de Padilha com Tropa de Elite por abordar o tema, mesmo que um tanto enviesado, o que sabemos desperta pouco interesse para o além das telinhas e telonas, quando muito sustentam a curiosidade com novelas e dramaturgias de ótica tão ou mais enviesadas, ou seja: afunda-se cada vez mais no poço. Nessa altura eu pergunto: teria fundo afinal?
Certo é que antes precisamos fazer a tarefa de casa, desvendar o que são as milícias e o seu funcionamento, seus planos de expansão, para entender como hoje atuam inclusive em grupos militares, ou afinal já ficou claro como um ex-policial militar tinha posse de um carregamento de 117 fuzis e outras munições dentro de um condomínio de luxo, não dá para pensar que seria para uso pessoal, ou tampouco que ali tenham chegado por um truque de mágica ou ilusionismo. De que modo esses grupos adentraram na política, o poder ou deveria dizer poderes, e hoje se avizinham da residência presidencial – permitam-me compartilhar da ingenuidade própria de Poliana, de Eleanor H. Potter.
Não é demais imaginar que parte dos que saíram as ruas defendem as instituições que assinam seus títulos de ensino médio, graduação, pós-graduações, muito por uma espécie de zelo com o que desejam para currículo dos seus filhos e filhas, o que não é errado, mas e minúsculo perto da real importância do que significa a educação de um país. É certo que parte dos que não saíram, também tem as mesmas assinaturas e instituições em seus currículos, vangloriam-se inclusive destes feitos, como se a dificuldade de acesso por si, falasse mais do que o próprio aprendizado. Então porque não saíram? Porque esses já trocaram a esperança de toda uma sociedade por sua segurança financeira individual, tsic, tsic,… tsic, compram 19 imóveis por exemplo, ações da Petrobras, participação em lucros de bancos, títulos de capitalização, investem no exterior, sonegam impostos que dariam todo orçamento da saúde, investem bilhões na eleição de um candidato enquanto parcela suas dívidas trabalhistas com a previdência em 115 anos, ou assinam laudos de barragens como as de Mariana e Brumandinho. Pessoas nocivas e com expertise de mercado.
Os milicianos em momento algum imaginam o que ficará para o futuro, de que servirá a soberania de um povo? Que importância tem a cultura e sobrevivência indígena? Como em um filme distópico, as coisas tem fim em seu próprio fim, não há futuro. Consigo traçar um paralelo deste comportamento aos alunos de faculdade em salas de 4º ou 5º anos, quando passávamos chamando para paralisações ou atos, muitas vezes ouvia deles – chancelados por professores – que atrapalhávamos as aulas, que já estavam formando que não precisariam daquilo ali.
O absurdo dos absurdos, e não quero que pensem em filhos. Mesquinharia com mesquinharia se paga. A lógica do ensino e da educação não pode ser essa do consumo individual, mas essencialmente do que o saber produz para a sociedade.
Ao não se importar com a preservação das universidades, das pesquisas, das praticas de extensão estamos assim como os milicianos, narcotraficantes e banqueiros dizendo que existimos para o mero lucro de uma parcela cada vez menor da sociedade. É assim com o clima e a preservação de uma das principais florestas do mundo. Como poderíamos garantir que o álcool ou etanol seja mais eficiente e menos poluente do que a gasolina? Como medicamentos e pesquisas podem fazer pessoas viverem com mais qualidade de vida? Como a linguística, o discurso, e as tecnologias podem aproximar aprendizagens de universos intelectuais distintos? Como as artes e as práticas esportivas podem diminuir a violência e o alcance o narcotráfico sobre os jovens? Enfim, pesquisas desenvolvidas em prol de uma sociedade.
É urgente que as universidades não parem de produzir, mas que agora, mais do que nunca se desdobrem em produzir consciência crítica não apenas em quem frequentam seus espaços e enquanto consomem seus serviços, numa analogia ao motorista que troca pneu e enquanto dirige, mas que consigam ampliar seus conhecimentos e alcance para toda a sociedade, conseguindo dar visibilidade a importância da cultura, do saber e da produção nacional para nossa soberania e bem viver.
Sem dúvida alguma é animador assistir gerações diferentes na marcha em defesa da educação, mas é necessário que essas mesmas pessoas não sejam enganadas pelo canto da sereia que acham que a defesa da educação nada ou pouco tem a ver com a defesa de um ex-presidente que promoveu os maiores avanços nesse setor, e não, não era tudo a mesma coisa. É preciso ainda que parcela saiba que ir pra rua hoje, não se restringe a 15 de maio, a um grandioso e numeroso ato, de encher os olhos é verdade. Simboliza a verdade das ruas, um chamado da educação é não das grandes mídias peçonhentas que queriam o perdão de suas dívidas ou de uma justiça em oprol de um bilhete premiado do STF. Os que foram as ruas, e muitos mais, precisam conversar com as pessoas, com cada um daqueles que se confundiu, ignorantes do poder das milícias, das mídias e de uma justiça tacanha. Marchar é continuar atento e em luta, muito mais do que alcançar os tredding topics do twitter ou máximo de views dos youtube, significa reconhecer que o projeto derrotado encabeçado por um professor perdeu para fake news, uma indústria que continua operando para destruir a universidade e a ciência brasileira, derrotaram numa aliança do ruim com o que há de pior travestido de combate à corrupção e moralismo – faça o que eu digo não faça o que eu faço. É preciso que se diga que a tecnologia para extrair petróleo na camada pré-sal foi investimento em tecnologia, educação e pesquisa PÚBLICA.
E pensar que antes de Temer, a briga era pra destinação de 10% do pré-sal para a educação. Águas passadas que não batiam nas bundas e não movem moinhos hoje.
Um novo suspiro e novo fôlego, mas ainda não consigo dizer que a Marcha da Educação do dia 15 de maio foi capaz de me deixar na superfície. Para os que a água alcançam o tronco e quem sabe os ombros, as ditas grandes minorias, continuem nadando, não parem, vocês são sobreviventes, eu sei. Aos que conseguem ver luz no horizonte, porque já estavam lá na frente, continuem nadando ainda mais forte e só voltem com ajuda, porque daqui onde estou às câimbras e sensação de dormência de tanto tentar ficar viva impedem de alcançar grandes distâncias.
Mas que foi uma mar de gente, e um mar revolto, ah, isso foi.
Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.
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