Muita história, pouco futuro

Andei preguiçosamente visitando a família: não tenho escrito para este blog… e também não tenho trabalhado digitando os textos que constituem esta série de “textos de arquivo”, tarefa chata mas que tem de ser antecedida de outra mais difícil: achar os textos – nem imaginem que seja em arquivos do computador, porque sempre os perco assim que produzidos: nunca sei onde o salvei, nunca lembro o título, desisto de achar.

Por exemplo, escrevi um texto para atender ao motivo desta crônica: não o salvei por inteiro e fiquei surpreso ao manusear as páginas impressas pois mais de cinco páginas escritas “não existiam”! Foi assim que tive que improvisar ao contar um pouco da história – tal como a percebo – do ensino de língua portuguesa neste tempo tão longo da minha escolaridade (penso que o professor no exercício da profissão continua sua escolaridade, que não tem fim a não ser quando decididamente se aposenta e vira as costas à escola, coisa difícil de fazer).

Com convite do meu coordenador, Prof. Alexandre Costa, voltei aos tempos de “caixeiro viajante da cultura”, e lá me fui para Goiânia. Tinha que participar de uma banca de qualificação de doutoramento (apesar de estar desatualizado). Tinha que coordenar uma roda de conversas com mestrandos e doutorandos do programa de pós-graduação em Letras da UFG (uma óbvia temeridade). Tinha que fazer uma palestra para alunos da graduação e professores do ensino básico (e não tinha mais o que dizer além de contar minha história). E ainda tinha que participar da reunião do grupo de pesquisas do CNPq liderado pelo Alexandre que me colocou no honroso lugar de vice-líder (o que me obriga a “atualizar” o Lattes, o que faço mudando de lugar uma vírgula da apresentação porque nada incluo por lá há muito tempo, e se algo novo há depois de 2003, quando me aposentei, foram outras pessoas que o fizeram para mim!).

E então fui contar minha história de participação como estudante e como professor da “educação linguística” no Brasil. E o tempo a ser narrado era longo: dos anos 1950, quando do “decreto” da Nomenclatura Gramatical Brasileira” até a elaboração desta coisa esdrúxula que é a BNCC.

E acrescentei um parágrafo sobre a destruição da educação nos últimos cinco meses, embora tenha prometido que não falaria de política desde que o fascismo foi para o Executivo pelo voto direto dos eleitores brasileiros (não adianta dizerem que os que votaram neste despudorado presidente, obcecado em pênis, foram poucos mais de 33% do eleitorado – aqueles que não votaram ou votaram em branco ou anularam também, por sua omissão, elegeram o inominável).

Feito o trabalho, retornado, pus-me a pensar: tive a sorte de não ouvir por lá o que ouvi numa reunião de professores da primeira faculdade em que lecionei. Discutiam-se os rumos da instituição (nascida do movimento comunitário e cooperativista, formação local das “comunidades eclesiais de base”), quando um de seus fundadores e liderança incontestável, intelectual renomado já então, é interrompido por um jovem professor que se lhe opõe de forma um tanto grosseira. E então disse o velho mestre: “Você me respeite, que tenho história”. E ouviu a resposta mais grosseira ainda: “Tem muita história, em compensação tem pouco futuro”.

E fui a Goiânia com medo de ouvir do público algo semelhante, porque contei muita história, mas sei que tenho pouco futuro. Mas estudantes guerreiros que montaram a mais bela comissão de frente para a manifestação do dia 30 de maio não são grosseiros, são educados: não me disseram o que não precisa ser dito.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.