por Mara Emília Gomes Gonçalves | nov 30, 2019 | Blog
A meu pai
O caminhão: na boleia
a mulher e o cão
A vitrola
O vaso de gerâneos
O par de botas
Sobre a capota
A mó a concertina
Os matoloes os faróis
(a querosene) juntos na mesma vida
Num berço de vime
O terço (que redime)
A espingarda (que mata)
Refletidos no armário de espelho
A chibata
O pássaro de gaiola
O relho
Tange a mudança o homem com seu rosto:
Engenho que o desgosto
Desgasta de uma rua a outra
por João Wanderley Geraldi | nov 30, 2019 | Blog
A montanha branca, de Jorge Semprun
Na capa deste livro há um subtítulo: “Na arte e no amor a resistência às tiranias políticas e ideológicas”. Fica, assim, avisado o leitor: a história que lerá tem como pano de fundo os sistemas totalitários, aqui representados pelo nazismo e pelo regime de Stalin. No entanto, nenhum deles será descrito, nenhum deles será o tema: permanecerá sempre como uma referência e como o que tornou os personagens o que são: carregam em sua história consequências e resistências.
Para realizar seu projeto, o autor põe em contato três artistas: Juan Larrea, dramaturgo espanhol; Antoine de Stermaria, pintor francês descendente de nobres alemães que migraram para a Rússia no Século XVIII; Karel Kepela, tcheco, diretor de cinema e de teatro. Há uma personagem-símbolo que atravessará todo o enredo e que, em certo sentido, une estes três artistas: Franz Kafka. Como uma espécie de contraponto feminino, teremos: Lawrence, esposa e paixão de Juan que tendo sofrido uma acidente, vive numa cadeira de rodas sem sair de casa e por isso ela apenas aparece como ‘evocação’; Nadime Feuerabend, que fora ‘aluna’ num seminário conduzido por Karel, que será a amante de Juan e sua real companheira; Franca, esposa de Antoine, amante de Juan e aparentemente uma espécie de centro em torno do qual voejam os três personagens masculinos. Há outras mulheres: Mary Lou, por exemplo, que foi caso de Antoine, que a oferece como penhor de amizade a Juan… Ela somente será evocada por Stermaria e Juan e pelos ciúmes de Franca por um passado dos amigos a que não tem acesso.
Kafka, este símbolo, se faz presente não só nas remessas a suas obras ou em citações que dele fazem, principalmente Karel, mas também na estrutura própria deste romance, um tanto kafkiano, com idas, vindas, retornos, avanços, recuos, numa cronologia esgarçada e em episódios que se sobrepõem, com um narrador onisciente que parece ter fragmentado a vida de seus personagens, embaralhado os acontecimentos, exigindo que o leitor esteja atento porque nem bem termina de ler uma parte de um episódio de que não se dá o fim, e outro aparece. As suspensões também podem ser feitas ora por reflexões próprias de uma das personagens, ora num diálogo entre duas delas.
No entanto, ao final do livro, o leitor terá convivido tanto com suas personas que se sente abandonado por elas e pelo narrador: gostaria de conhecer uma continuidade da vida, saber o que não lhe é oferecido. Como disse Proust, o autor dá ao leitor uma parte, com sua arte. Caberá à arte do leitor continuar a história como história própria, já sua porque dela participou por um tempo.
Sendo absolutamente injusto com o enredo e com a arte de Jorge Semprun, resumamos: o motivo inicial será um cartão postal com uma péssima reprodução de Passagem de Estinge, de Patinir, cuja característica é o azul. O cartão chega precisamente quando Antoine acabara de pintar um quadro que chamará de Marinha clara, onde predomina o azul, cor com que pintou inúmeros nus de Franca. A mensagem assina por Juan é carregada de alusões. E vem de Madri, onde Juan se encontra com Nadine, fazendo o mesmo percurso que já fizera com Franca – isto obviamente despertará nela não só ciúmes, mas também reflexões sobre esta repetição dos mesmos caminhos que fazem os homens com suas mulheres! Depois deste primeiro episódio que acontece na casa em que vivem Franca e Antoine, em Freneuse, no interior francês, precisamente perto do rio Estinge, parece que ele decide convidar Juan para se reencontrarem depois de muitos anos. Afinal, o último encontro parece ter sido em Roma, onde Antoine fazia uma exposição de seus quadros, em 1965, a qual Juan compareceu para rever o amigo. A ela compareceu Franca: ambos se apaixonam pela mesma mulher, mas será com Juan que ela sumirá por um tempo. Depois disso, se tornará a companheira de Antoine. Entretanto não esquecerá Juan e com ele se encontrará em Madri e continuará tendo encontros furtivos e rápidos.
Karel Kepela viveu em Praga onde caiu em desgraça durante o regime soviético. Teve que abandonar sua profissão e a única função que um agente da Gestapo encontra para ele será cuidar do novo cemitério judeu de Straschnitz, em Praga, precisamente onde se estão enterrados os membros da família Kafka. Será à borda deste túmulo que Karel receberá muitos visitantes, entre eles o escritor Josef Klims que reencontrará em Zurique, onde ocorrerá um passeio pelas casas em que moraram Johann Caspar Lavater, depois Goethe. Próximo dali, viveu por um ano Lenin. Este encontro entre Klims e Kepela será a parte mais erudita do livro, com inúmeras remessas a livros, quadros, peças teatrais, músicas… e algumas passagens em alemão que não estão traduzidas.
Juan Larrea é um sobrevivente de campo de concentração nazista. Ele jamais esquecerá a fumaça dos crematórios: os amigos que se tornaram fumaça no céu. Ele contará tudo para Antoine, depois silenciará este tempo de sua vida, buscando o esquecimento que jamais virá.
Estas serão as pessoas que se encontrarão em Freneuse, na casa de Antoine e Franca. Era para ter sido um encontro dos dois casais, mas Franca e Nadime trazem para o encontro também Karel Kepela, que afinal estava trabalhando com Juan numa peça de teatro, cujo título é precisamente A Montanha Branca: Juan escrevia, Karel a montaria.
Sobrecarregado de referências a obras, a autores, a músicas, a pintura, às vezes o romance deixa o leitor um pouco perdido, mas também curioso para ler as obras citadas… Trata-se de um romance em que o autor colocou toda sua erudição. Num mesmo parágrafo podem aparecer três ou quatro obras clássicas ou contemporâneas (A valsa dos adeuses, de Milan Kundera, por exemplo).
O romance termina no encontro de Freneuse, quando Juan fala por uma hora dos tempos do campo de concentração:
A fumaça, evidentemente.
Ele começou pela fumaça do crematório, pelo cheiro da fumaça sobre a colina do Ettersberg. Começou por onde tudo acaba, outrora: por esse momento em que a vida partia em fumaça. Começou pelo cheiro da vida partindo em fumaça, inesquecível. Por essa lembrança que ele não podia compartilhar com ninguém mais que não tivesse estado lá, não tivesse lá sobrevivido. Mesmo os antigos deportados do Goulag soviético, dizia Juan, cuja memória contém os mesmos tesouros abomináveis, sem dúvida ainda mais ricos, mais monstruosos que os nossos, mesmo eles, não conheciam o cheiro da fumaça dos crematórios sobre as paisagens da Europa. Isso é nosso bem, a essência de nossa vida!
Quase no final do romance, no diálogo entre Nadime e Franca, quando falam da primeira mulher e verdadeira paixão de Juan, aparece uma passagem que teria sido o ponto explicitado na relação deste com Franca ou com Nadime ou com qualquer outra mulher que não Lawrence:
O que é uma história, Juan? perguntara Franca, um dia. – Mas é uma história, literalmente: memória, cicatrizes, risos, ritos, um futuro! – Então, não há história entre nós, exclamara ela, já que não há futuro! Quero dizer: que o futuro não pode ser senão o dia presente, indefinidamente reproduzido. Mas como presente-passado, não como futuro. Uma série de espécies de horas fora do tempo!
Depois desta noite de encontro Freneuse, de rememoração do passado, de olhares cúpidos, da paixão repentina de Karel por Franca; do pedido de Antoine para que Juan lhe mandasse Nadine para dormir com ele como na juventude ele lhe havia mandado Mary Lou; depois de Juan explicitar ao amigo a traição que cometia com Franca; depois de uma bebedeira de Karel que o prostrou; depois do desabafo de Juan sobre seu tempo de deportado; depois de tudo, Franca prepara o café da manhã, olhando para o ar de satisfação de Nadime e imagina o que terá acontecido na cama com Juan; depois disto tudo, vem a cena final:
Juan Larrea se suicida nas águas geladas do rio Estinge. A descrição deste suicídio é página antológica.
Referência. Jorge Semprun. A montanha branca. Tradução de Edison Darci Heldt. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1987.
por Mara Emília Gomes Gonçalves | nov 29, 2019 | Blog
Existem assuntos que são desconfortáveis, uma ferida, e nestes casos o melhor e cuidar antes de estourar.
Na semana anterior não foi possível escrever, mas outros veículos produziram textos, palestras, audiências, matérias jornalísticas sobre a o dia da consciência negra e, por conseguinte, trataram do racismo nosso de cada dia.
“- Pai, afasta de mim esse cálice.”
Na maioria dos casos, a voz que ecoava o discurso de luta antirracista produz, consolida e reproduz ao longo dos outros dias do ano práticas que consolidam preconceitos contra a população negra, tudo feito com discrição e muito conhecimento.
De tal forma que confesso a minha pouca ou nenhuma vontade de escrever naqueles dias mais próximos, porque não queria minha voz sobrevivente e minúscula perto da Casa Grande.
“- Afasta de mim esse cálice”
Escrever sobre racismo é um texto que se inicia, e não se conclui, que escrevemos três linhas, e apagamos trezentas, porque na ânsia de denunciar tais atos queremos encontrar uma fórmula de destruir tais memórias, e seguir.
Cada ato que trouxesse para o texto ocultaria pelo menos outros cem, diários, que é como se comporta o racismo, vai ampliando em efeito onda, e cada explicação e contorno do sofrimento causado que ganhe divulgação ao tempo em que denunciam escondem tantos outros, e o pior é a naturalização de tais atos.
Poderia falar de interseccionalidade, de racismo estrutural, de opressão, de genocídio, de silenciamento, de solidão, ainda assim faltariam muitos outros termos para explicar a dor. A dor de ser marginalizado, a dor de ser preterido, a dor de ser invisível na dor.
Até que um dia essa dor que você consegue nominar em um destes termos, ou mesmo em outros de uma lista que não acaba, e parece ser renovada a cada escala, alcança seu coração… É então que pensamos nem ser capazes de suportar tanta dor.
” – De vinho tinto e de sangue”… negro
Resilientemente suporta-se, sabendo que no outro dia tudo será como antes. Até aqui falei sobre o nó, mas os tempos pedem que eu fale de desejos tal qual filme de Tarantino ou de Spike Lee.
Sim, eu imagino, e tenho tanto ódio dentro de mim, engana-se quem acredita que a paz é amor, a paz é escolha dos medíocres, assim como eu, que fingem que tudo está posto no devido lugar: Um vídeo bonitinho sobre o criado-mudo, ora veja só.
Como se Machado de Assis não tivesse sido embranquecido, e ensurdecido na negritude. Entendem? Outros tempos!
O negro é mudo, surdo e cego, antes de tudo é criado para entender seu lugar sem reclamar, sem chorar, sem adoecer, sem esmorecer, sem rebelar, sem matar… Embora a qualquer momento se possa morrer.
E então ouço desde sempre que ódio não leva ninguém a nada. Errado! Leva-nos para o desemprego, para a reprovação, para o trabalho infantil, para a prostituição, para subempregos, para as famílias desestruturadas, para a pobreza, para as cenas de crime, para a cadeia, para a bala perdida, para os assassinatos sem solução, para as chacinas…
Existem os outros casos, mas esses hoje devem ficar calados, e entender que são exceções construídas para justificar a regra que permite o racismo. O ódio nos leva todos os dias até a morte, e quando estivermos exaustos de visitá-la e enganá-la, ela se aproximará,… e enfim alguém vai nos tirar para dançar.
por José Kuiava | nov 27, 2019 | Blog
Bolsonaro pai queria controlar o dinheiro – verba pública do fundo partidário eleitoral – no PSL e não conseguiu. Não deixaram ele mandar no partido. O projeto de novos laranjais, de autoria e interesse dos bolsonaros nas fazendas griladas, não foi aprovado pela direção e pelas forças de comando do partido, pelo qual o Bolsonaro se elegeu presidente do Brasil.
Fato curioso, ele tinha se filiado no PSL sete meses antes das eleições de 2018. Claro, ele se filiou só para se candidatar e se eleger. Daí para frente era só mandar no Brasil e no partido, sem ser presidente do partido.
O mais estranho e intrigante é o fato do Bolsonaro ter sido filiado como candidato e passar por oito partidos durante os 30 anos de vida pública. Acreditem! Oito partidos! Começou no PDC e passou pelo PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL. Será que era o Bolsonaro que não gostava de nenhum partido ou será que nenhum partido gostava de Bolsonaro?
Agora Bolsonaro sai do PSL e cria o partido próprio à sua imagem e semelhança – de bala calibre 38! Fica a dúvida: o partido 38 ou o partido de 38? Cartuchos e balas de chumbo calibre 38 – revólver – são símbolos do poder de violência, de ataque para matar a quem se opõe politicamente. Esta é a aliança verdadeira pelo Brasil – armada de 38.
Trata-se de uma legenda aberta para o autoritarismo, para os ditadores e para os torturadores. Para todos que tem asco à democracia. Acima de tudo e de todos, quer messianizar a autocracia pelo apelo ao populismo grotesco e ao personalismo ignorante, camuflados de amigos na aliança com o povo.
Acontece que partidos políticos no Brasil vivem do dinheiro público. Eis a questão. Mais um partido – além dos já 32 em vigor – para ser sustentado por verbas públicas e enriquecer e empoderar políticos com dinheiro que faz falta à educação, à saúde, à cultura, à ciência e a tantos outros bens de todos.
Isso acontece só aqui, no Brasil.
Então, para que servem os partidos políticos? Por acaso, existiram, ao longo da história, e existem, hoje, sociedades e estados democráticos sem partidos políticos? Aqui está o nó da questão. Os partidos políticos são organizações imprescindíveis para a democratização das sociedades. Este é o pressuposto certo.
A questão difícil, polêmica, contraditória na essência e na práxis é a questão da qualidade dos partidos – a boa qualidade e a má qualidade – o modo de ser ético dos cidadãos que compõem e constituem os partidos políticos.
Aqui vou recorrer, porque considero ele de elevada qualidade, ao pensamento de Octávio Ianni sobre as forças políticas que vem dominando no curso dos tempos pós modernos da história.
Primeiro, ele se referte ao príncipe de Maquiavel – “uma pessoa, uma figura política, o líder ou condottiero, capaz de articular inteligentemente as suas qualidades de atuação e liderança (virtù) e as condições sociopolíticas (fortuna) nas quais deve atuar”. Assim, não há necessidade de partidos políticos.
Segundo, o partido político – o “moderno príncipe” na acepção de Gramsci – o partido político como organização social coletiva e não mais como uma pessoa, um líder individual como era o condottiero. O partido político como organização institucionalizada constitucionalmente na sociedade democrática.
Enquanto moderno príncipe, já que se cria no âmbito da sociedade de classes burguesa, capitalista, o partido político pode realizar a metamorfose essencial das inquietações e reivindicações sociais, em sentido amplo, em política, enquanto programa de organização, atuação, conquista do poder e preservação deste. Cabe ressaltar aqui que a teoria de Gramsci diz respeito ao partido político empenhado em expressar as inquietações e as reivindicações dos seus seguidores; mas, simultaneamente, capaz de interpretar as inquietações e reivindicações dos outros setores da sociedade. Quando se trata de luta pela conquista do poder, no entanto, seu objetivo principal, mais ambicioso, é o desafio de construir hegemonia alternativa na qual se expressem as classes e os grupos sociais subalternos em luta para realizar a sua vontade coletiva nacional-popular, alcançando a soberania.
Estes valores não tem data de vencimento na história.
Fica, então, mais uma pergunta: quais os partidos políticos brasileiros – dos 33 – atendem os sentidos e os valores formulados por Gramsci?
O partido 38 mirando para a ultradireita do Bolsonaro e para o ultraneoliberalismo de Paulo Guedes?
Será?
Sinceramente, você acredita?
por João Wanderley Geraldi | nov 25, 2019 | Blog
Uma das razões para este blog ter o nome “Passagens” era a ideia de publicar aqui trechos, parágrafos, extratos, ou o que seja, extraídos de leituras. Com o tempo, começaram a aparecer sessões: poesias (aos domingos) e registros de leituras (aos sábados). Alguns textos de estudos meus, uma sessão a que chamava “Textos de arquivo” apareceram às sextas-feiras enquanto tive forças para digitar artigos publicados, apenas daqueles de que me restaram comprovantes. Outros estão perdidos.
As datas destas postagens mudam de dias da semana, às vezes, por vontades alheias a este cronista. Depois apareceram os colaboradores que assumiram datas: às quartas-feiras o José Kuiava; às quintas-feiras a Mara Emília. Mas a ideia de publicar aqui pequenas passagens de textos se foi perdendo, e com isso uma das razões da denominação do próprio blog…
Hoje retomo a ideia. Isto porque os fatos me levaram à lembrança de uma passagem. Vamos aos fatos: o lançamento do partido do clã bolsonarista, com a inacreditável montagem em plena Câmara dos Deputados, de uma ‘obra’ – que será a principal obra do próprio partido, de modo que ele já se tornou desnecessário – com o nome do novo partido montado com balas, com a escolha do número do partido para lembrar o ’38 calibres da arma mais desejada. Uma monstruosidade.
Sinais dos tempos: enfim a polícia carioca começa a procurar os mandantes do assassinato de Marielle. Busca outro monstro que matou mas não derrubou uma heroína. Para salvar as monstruosidades e perpetuá-las, obviamente apareceu o monstrinho auxiliar, o senhor Sérgio Moro, querendo acabar com as investigações enfiando-as no mais recôndito de sua gaveta. Se monstros e monstrinhos subalternos estão à solta.
E em pleno sábado assistimos estarrecidos a tentativa do governador do Rio de Janeiro de ‘faturar’ em cima do jogador Gabriel, o Gabrigol, ao final da conquista da Taça Libertadores em Lima. Witzel ajoelha-se frente ao jogador, querendo elevá-lo a mito, na esperança de um abraço. O monstro pagou mico. O herói passou ao largo, não se deixando usar pelo criminoso que governa o estado.
Para além destas ‘vitórias’ estrondosas no gramado – duas vitórias, a do time e a do herói diante do monstro – outra vitória vem acalentando sonhos: entrevistas e discursos de Lula, outro herói nacional agora fora das garras da República de Curitiba, mas sujeito a retornar a elas porque longas são as varas do Ministro da Ilegalidade, o monstrinho Sérgio Moro.
Ou seja, estamos convivendo claramente com monstros e heróis em nosso cotidiano. Por isso, compartilho um parágrafo de Joseph Campbell (O herói de mil faces, SP: Cultrix, p. 25 – original de 1949):
A figura do monstro-tirano é familiar às mitologias, tradições folclóricas, lendas e até pesadelos do mundo; e suas características, em todas as manifestações, são essencialmente as mesmas. Ele é o acumulador do benefício geral. É o monstro ávido pelos vorazes direitos do “meu” e “para mim”. A ruína que atrai para si é descrita na mitologia e nos contos de fadas como generalizada, alcançado todo o seu domínio. Esse domínio pode não ir além de sua casa, de sua própria psique torturada ou das vidas que ele destrói com o toque de sua amizade ou assistência, mas também pode atingir toda a sua civilização. O ego inflado do tirano é uma maldição para ele mesmo e para o seu mundo – pouco importa quanto seus negócios pareçam prosperar. Auto-aterrorizado; dominado pelo medo; alerta contra tudo, para enfrentar e combater as agressões do seu ambiente – que são, primariamente, reflexos dos incontroláveis impulsos de aquisição que se encontram em seu próprio íntimo -, o gigante da independência autoconquistada é o mensageiro do desastre do mundo, muito embora, em sua mente, ele possa estar convencido de ser movido por intenções humanas. Onde quer que ponha a mão, há um grito (que, se não se eleva do exterior, vem – mais terrivelmente – de cada coração): um grito em favor do herói redentor, o portador da espada flamejante, cujos golpes, cujo toque e cuja existência libertarão a terra.
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