O primeiro e o segundo homem, de Sérgio Jacaré

O primeiro e o segundo homem, de Sérgio Jacaré

                                                        *(com um carta inédita do autor)

Neste volume em que o escritor gaúcho reúne seus contos, Luiz Sérgio Metz assume oficialmente seu apelido, assinando-o como “Jacaré”. E mesmo que os livros posteriores, publicados depois de sua morte (prematura, aos 43 anos, em 1996), como Terra Adentro e A Usina do Gasômetro estampem o nome completo do autor, para quem o conheceu, ele será sempre o Jaca. E como Luís Augusto Fischer intitula o “verbete” que lhe dedica – Com saudade do Jaca – no livro em que apresenta 30 perfis de escritores heterodoxos [Coruja, Qorpo-Santo & Jacaré, L&PM Editores,2013] , todos temos saudades do Jaca.

O conjunto de contos que compõe O primeiro e o segundo homem tem apresentação do grande escritor gaúcho Cyro Martins que sublinha “a polpa sumarenta de realidade humana” das personagens destes contos. De fato, em cada conto há um gosto da terra, neste amor por sua gente e pelo seu espaço, tão próprio do Jaca.

Apresento a seguir cada um dos contos, num resumo que não lhes faz justiça mas que espero agucem a curiosidade para buscarem esta “polpa sumarenta” para se deliciarem e se angustiarem com a vida que o autor nos mostra.

O neto do Senhor.

O céu dá um intenso sinal de Luz Azul, num ritmo erótico: acontece que Cristo se apaixonara por uma jovem bugra missioneira, de nome Maria, “cujo rosto era também dois olhos poentes que espalhavam ao corpo notícias de peixe, de pão e de vinho”. E Cristo decide imitar seu pai, dar à terra seu Primeiro Filho. O tempo corre, chega a Primavera e Maria tem seu último aviso em sonho na barca. Prepara-se. Às três da madrugada, em São Miguel, a Luz Azul “desencobrindo-se das nuvens, desvencilhando-se, avançando mais até o êxtase junto à janela de Maria. Maria retirou o manto. A Luz tocou-a. […] percorreu as superfícies morenas e delas fez o Salmo. Da pele fez o aroma e das ideias fez o Cântico.” E Maria ficou olhando para o alto: “Lá onde têm origem e fim as convergências de todos os infinitos”. E quando o vento Minuano dela se despediu, disse: “Vai se chamar Tiaraju, como Ele”.

Ulpiano, seus irmãos e sua velha mãe.

O narrador instala-se à margem esquerda do Rio Piquiri para ver passar a família de Ulpiano Arrido que decidira sair da terra e ir para a cidade. Aguarda que apareçam na curva da estrada, compartilhando com todos os outros vizinhos a pergunta de como seria a vida dos Arrido na cidade. Trata-se aqui de um tema típico da passagem do velho mundo dos grotões para a modernidade urbanizada daqueles que o abandonaram. Telúrico, agarrado à terra, o narrador

Tinha pensado primeiramente em dissuadir Ulpiano e sua família de se ir embora. Mas depois, pensei bem… Conclui que os Arrido tinham esse direito. De qualquer forma, não sairiam nunca desta envelopada miséira que vem do fundo dos tempos. Eles estavam dispostos a abandonar tudo e seria pouco moderno tentar mantê-los neste eterno entrar e sair de sol. […] A cidade é o céu ao feitio do homem, e a claridade das ruas à noite é patrimônio também dos que dela nunca usufruíram.

Quando os Arrido cruzam com o narrador, este nada consegue dizer de tudo o que pensara como persuasão para mantê-los na terra. E o diálogo será curto. Ulpiano lhe pergunta se está indo pescar, e ele responde que se prepara. E recebe a última fala:

– “É bem bom pescar, sim senhor…”

[Nota: Ao ler este conto não pude deixar de lembrar uma velha carta que ainda tenho comigo que me mandou o Jaca no primeiro semestre de 1980, quando eu e família preparávamos nossas malas para sairmos do Rio Grande do Sul, e virmos trabalhar na Unicamp, em Campinas. Ele apresentava inúmeros argumentos tentando me dissuadir de sair do nosso estado, de “vir para o estrangeiro”. Como sei desta alma telúrica do Jacaré, sei também que a história de Ulpiano se inspira nas inúmeras histórias de migrações: rural/urbano; urbano/urbano; de um estado a outro da federação.]

A nica joga.

Este conto somente compreenderá quem já jogou bolita (bolinha de gude). Bolitas tilintando no bolso. Mas entre elas ou delas separada para um lugar especial estava a “nica joga” ou “a joga”, principal, aquela com que se ganha ou perde e que, se  perdida, faz a angústia e o desespero do jogador, além de deixa-lo mal junto aos companheiros. Neste conto, o narrador perde sua “nica joga” para um adversário implacável!

Chamava-a com outros nomes: leiteira, pois tinha quando nova uma listra de nata. Chamava-a pioquinha, embora sendo de tamanho médio, mas o carinho assim me sugeria. Quando envelheceu e carunchou-se de tanto levar secas, chamei-a agdazinha. Dirigia-me a ela, em casos extremos, chamando-a de micapuxa, pois era a última e me socorreria quando minha mira falhasse. […]

Aposteia-a. Ela levou um estouro sólido, perdi-a. A terra incrustrada no nó dos dedos, os joelhos gastos, o bolso fundo e vazio. Voltar para casa, passar pela pena d’água pública com meu sobretudo de gabardine marrom e sujo. Ouvir reclamações em casa que vou mal nos estudos, que nunca pego um caderno, que já não vou ao catecismo.

O alarido do jogo retido na cabeça. Aquele silêncio agônico dos jogadores, a inclemência do ganhador, o frio gelado de respeito dos meus amigos, como a um que morresse para sempre. O jogo para eles continuaria, até o mais puro esquecimento.

Fica algum tempo sem jogar, até que um amigo aparece com ela, e lhe “dá de presente”, gesto maior de amizade. Encomenda mais bolitas da Argentina, donde vinham as melhores…

A noite da Boiguaçu.

Aqui o narrador Tatuim está numa mesa de bolicho, bebendo com um turista. “O poncho encharcado de chuva – por debaixo vinha o Gomes só com a cabeça de fora”. Gomes entra, senta-se junto à janela e nesta posição é alvejado por um tiro vindo da escuridão.  Tatuim diz ao turista: “não olhe o corpo”. Ouvido o tiro, vem o irmão do morto, e por sua boca se fica sabendo a razão do crime: o irmão morto havia denunciado um roubo de soja. O clima é pesado, mas Tatuim narra ao turista de São Miguel a história da Cobra Grande, a Boiguaçu, a quem eram sacrificadas os filhos dos índios na guerra de 1750. Ela teria permanecido lá, na torre da igreja: em noites de chuvaral os raios clareiam a janelinha – são os olhos da Boiguaçu!

O Gomes vivo bebia. Organiza com o bolicheiro a retirada do cadáver do irmão, mas eis que chega novo cavaleiro ao bolicho:

O cavaleiro enxugou Gomes num olhar que vale uma filosofia. O do violão fez um gesto com a boca, logo desfez. Tentou levar a boca à posição normal, mas os lábios mostraram-se irredutíveis, até a boca atrapalhava. O cavaleiro manteve o olhar seco no Gomes. Tatuim quebrou, adiou, a desventura do Gomes.

Supostamente o cavaleiro e o Gomes vivo se entenderam: o cavaleiro levaria o corpo do irmão morto em seu cavalo… mas o Gomes pegou sua faca e saltou sobre o cavaleiro, que numa negaça conseguiu se safar do golpe e sob o poncho a mão do cavaleiro não vacilou. “…os dois Gomes não nasceram para semente. Tatuim olhou perdido para o turista. O turista estava parecia uma vela”.

O primeiro e o segundo homem.

Aqui o narrador com outros curiosos assistem uma luta de morte nos trilhos do trem. Escondendo-se nas macegas, viram quando o primeiro homem chegou, escondendo a faca do brilho da lua; o segundo homem também chegou tenso. Ambos usaram as chairas, afiando suas facas. A luta começa:

… as faíscas, que pulavam das lâminas entrechocadas, pareciam encandear os dois homens, mantendo-os debaixo do fogo de um esmeril. Em cruzadas sequentes, o mesmo artifício tenaz de defesa e ataque, ampliara a crueza desse espetáculo, transformando-os em dois ágeis pomos de fogo.

Atingido no braço, assim mesmo o Primeiro Homem consegue atingir o adversário enterrando a faca no ventre do Segundo Homem. Ele arqueia, como se em reverência. O Segundo Homem tira sua camisa, tenta estancar a hemorragia, reage em ataque às cegas, o Primeiro Homem caiu, e antes mesmo que estivesse no chão, a faca lhe transpassa a garganta. A lua escondeu-se; no macegal, ressoou um grito “caramba!” Como disse Cyro Martins na apresentação, parece que estes dois homens nasceram apenas para se matarem.

A cadela e o guri.

Este conto curto focaliza a vida miserável, de ladrões e de catadores de utilidades no lixão. Um destes miseráveis que somente aparecia pelo lixão quando suas outras formas de sobrevida lhe falhavam. Ia infeliz. Dá um coice na cadela de um menino que também catava a vida nas sobras. A cadela estava grávida. O guri volta para casa, mãe e pai se revoltam. Todos aguardam alguma forma de desfecho. O guri deixou de aparecer no lixão, onde a vida continuava em seu ritmo marcado pela chegada dos caminhões:

No lixo as crianças pulavam de monte em monte à procura de novidades. O mosquedo revoando junto às vacas que mascavam revistas. A zunideira ganhava força quando os caminhões viravam suas caçambas e o cacaredo descia deslizando a formar novos montes de surpresas. […] No fim dos dias, formavam filas ou procissões, sacos nas costas, seguiram para as vilas.

E o dia da vingança chegou. O pai do guri foi ao lixo. “Tudo silenciou e o silêncio foi curto”. Com um cano, o pai feriu o rapaz do coice. Este urrou e reagiu com sua faca pedindo sangue. E o sangue veio: “o pontaço foi sem volta, na femural”. O grito, irreparável, o suspiro: agônico. A cadela deu mais um uivo. “O guri ficou com um brilho violento nos olhos que se perdiam na imensidão dos montes de lixo”.

A cordilheira e o vento.

No final de um dia simples, encontram-se amigos para o gole de cachaça na casa de Belizário. Os amigos foram chegando para ouvir os causos que o dono da casa contava. E logo vem o caso, de uma caçada de tatu quando Belizário ainda era piazito. Seguiram em caça com os cachorros, subiram a cordilheira, conseguiram pegar uma macaiera enorme, mas o tatu estava frio… Mesmo atônito, o piazito enterrou a faca que lhe deu o companheiro no pescoço do bicho. Imediatamente rebenta uma ventania, vendaval medonho derrubando árvores e o vento uivando. Belizário desmaiou de pavor. Florismundo o carregou para baixo. Depois de contado o causo, decidem todos eles irem caçar tatu naquela noite. Acontece que o taipeiro, sempre arredio, considerava que todos temiam andar com ele, que o tomavam como um monstro. Na caminhada, examina-se na lâmina de sua pá e vê que sua mão não se reproduzia; na lâmina vê uma garra que imagina ser sua. Pensa que está se transformando em um tatu monstro como o do causo que ouvira.

Correu em desatino à mão pelo corpo e os dedos lhe deram conta que sua carne era uma casca de macaiera. Atirou a pá no vazio da encosta e precipitou-se a correr pelo pedregulho na mesma direção. No primeiro lance de voo ainda lúcido, temeu pelos acôos dos cachorros que o estraçalhariam, pela faca de Belizário que se enterraria em seu pescoço…

Lucinho, o inventor de passarinhos.

Desde bebê, Lucinho ouve o som dos passarinhos de dentro do berço, o canto que vem pela janela. Era o canto da Juriti. Seu encantamento com os pássaros leva seu pai a trazer-lhe de presente de uma viagem apitos que imitavam canto de pássaros. Usa um e outro apito, escondido. O menino procura que procura mas não encontra o pássaro que canta. No almoço daquele dia, o pai lhe mostrou os sete apitos e imitou as aves. Todas as cenas deste conto envolvem pássaros. Diferentes pássaros e diferentes cantos. Mas ‘havia’ um pássaro no céu, distante: “uma ave azul que não era o azulão, que não era o noivinho, que não era ninguém”. Da terra, Lucinho o chama com seu apito fazendo assim

– Pufiu-pufiu-pufiu-pufiu-fiu-fiu-fiu-fiu-fiu…

E o pássaro veio, baixou sentou calmamente. Lucinho deu-lhe o nome de Fonfini… Numa viagem com o pai, começa a ouvir o canto de outro pássaro, seu amigo. Era a primeira vez que ouvia seu pássaro cantar estando ele junto com outros. Chama atenção do pai, dizendo que quem cantava no céu era Avud-Mouro!!! Mas o pai nada ouvia, nada via. E começa o menino a usar seus apitos, para que o pai adivinhe o canto. A cada som, um nome de pássaro. Mas quando Lucinho chega ao “pufiu-pufiu…” o pai diz que não sabe que pássaro é este. O filho lhe conta então de Fonfini… E enquanto isso acontecia na terra

O Avud-Mouro lá no céu fazia arruaças com suas asas e penas. A cada apito balançava-se nas doces cordas do vento e desgovernava-se em direção à aranha. Depois subia, subia para o mais alto ponto do céu.

Almas arrabaleiras.

Narrativas “puebleras” são curtos contos que em cenas exploram os mais diversos sentimentos humanos de personagens que vivem nos subúrbios, nos “Pueblos”. O neologismo “arrabaleiras” que aparece aqui no título tem como radical o mesmo que corresponde à palavra “arrabalde”: periferias, subúrbios… Em espanhol, a palavra é “arrabal”, donde “arrabaleiras”. Aqui, o narrador abre afirmando: “Os enredos do tempo, disfarçados em claridade, têm me dado palmos de escuridão sempre mais espessos”. Esta minha chave de leitura deste conto espetacular: descobrir que a claridade esconde a escuridão…

A personagem central é Andejo Caiãn, o bugre matemático: ele faz as contas do câmbio, da troca de moedas, num mundo em que o contrabando corre mais ou menos solto: “Os maltrapilhos frequentavam sua casa de câmbio e depositavam no bugre e suas contas uma fieldade cristã”. Ele despacha no “ponto social irrefutável a todas as mulheres que buscassem compreender o mundo”: a Pena d’Água. E entre as mulheres, Inácia Maria, mulher de brigadiano: seu aparecimento levava Andejo a debruçar-se sobre seus cadernos e seus cálculos…  Certo dia chega para consulta Anastácio Antunes, o degolador preto. Quer que Andejo avalie uma faca de prata. Andejo diz que somente sabe câmbio, incapaz de avaliar arma. Seguidamente usava uma “moeda” que ninguém sabia o que era: o maravédis. E Andejo desconversava, e Antunes insistia. De repente, o cambista lhe diz: “No céu entenderás os maravédis”. Falar no “céu” é também falar em morte… e Antunes que saber como descobriu o triângulo amoroso entre o brigadiano (polícia militar no RS), o marido traído, Inácia Maria e Antunes… Andejo lhe responde: ela perguntou de ti quando enchia o balde. Antunes lhe encomenda a morte do brigadiano. Andejo recusa. A seguir, vai Antunes à casa do narrador, o menino que tudo observa: seu pai havia sido morto pela guarda costeira, quando cruzava o rio Uruguai com sua carga de pneus. Oferece ao filho do falecido Valdelírio sua paternidade, seu apoio a qualquer necessidade. Por seu turno, também o brigadiano consulta o narrador. Seu pai havia sido seu confidente. Havia rusgas entre o marido e a mulher Inácia Maria. Da rusga para a ‘peleia’ em que morrem o marido traído e o amante. Andejo aplica em Inácia Maria uma surra pública… e o narrador arruma seus ‘mijados’ e monta no cavalo de Anastácio Antunes no rumo de Santo Isidro (Argentina) onde está enterrado seu pai: é a busca do infinito para além do arrabalde de Pena d’Água.

Uma análise deste conto é apresentada por Renato José Bittencourt Gomes, em sua dissertação de mestrado em que estuda uma obra de Tabajara Ruas, porque também esta estaria entre as narrativas “puebleras”, em que o elemento líquido aparece. Em Jacaré, a Pena d’Água; em Tabajara, o rio Uruguai que separa as cidades de Uruguaiana (Brasil) e Paso de los Libres Argentina). Escreve Gomes:

No título do conto, o adjetivo arrabaleiras certamente está muito próximo de puebleros e temos no seu enredo alguns elementos que coincidem quase que pontualmente com elementos do enredo de Perseguição e Cerco. Temos no conto de Metz:

  • um triângulo amoroso que envolve um policial;
  • a sobrevivência à custa do contrabando;
  • um narrador que recorda um ente querido (no caso, o pai) que era contrabandista e foi morto pela polícia;
  • o impulso do narrador para sair em busca de seu destino, seu desejo de sair para o mundo;
  • o elemento líquido (na Pena d‟Água onde as mulheres iam encher seus baldes e na chuva que cobre os últimos parágrafos).

Nesse conto de Metz, Andejo Caiãn, o “bugre matemático”, auxiliava as pessoas do lugar calculando o câmbio das moedas: “Quando o contrabando de farinha e azeite assumiu força de hábito nas missões, Andejo passou do dia para a noite à condição de matemático.” (METZ, 2001, p. 91)

(Renato J. B. Gomes, A bênção de um anjo formoso e cruel. O pampa líquido de um certo Juvêncio Gutierrez. Dissertação de mestrado em Estudos Literários, UFPR, 2009)

Em toda esta minha apresentação, há uma falta – a presença forte do narrador-personagem neste conto. E também uma espécie de ‘confissão’ do narrador, que narra lembranças, como se pode ver nesta passagem, no começo da parte denominada As ruas:

Recordo. Quando o sol fende o cálice de vermute sobre a mesa branca é porque vem me chegando vagarosamente as notícias de Pena D’Água. Não as peço, tampouco as evito. Há vinte anos ela foi destruída. A enorme pedra grés há vinte anos foi destruída. Olho demoradamente para o cálice de vermute aberto ao meio pelo corte do sol. Misturo a ele o negror botânico do biter e de nada me esqueço, embora mude a cor do cálice e do sol. Nesses dias a melancolia esfola com suas legendas e trilhas. Pede-me que seja o réu em sua devassa. Abre o expediente de um magnífico inquérito e me arrola de mil maneiras. No centro de seus juízos, eximo-me do cálice, do bar, da mesa e sigo seus turbantes velozes sem pedir apartes.

Quem diz isso é um narrador, que não é o mesmo filho do assassinado Valdelírio que tomou o rumo de Santo Isidro… Este é um outro narrador (o Jaca?) que narra tudo, incluindo o que supostamente estaria narrando a história.

Referência. Sérgio Jacaré. O primeiro e o segundo homem. Porto Alegre ; Martins Livreiro-Editor, 1981.

Traduzir: volto a me ocupar com esta tarefa

Traduzir: volto a me ocupar com esta tarefa

Tenho comparecido muito pouco neste blog com comentários políticos, quando a política está pegando fogo com os imbecis menores queimando a Amazônia imaginando que estavam agradando ao Imbecil Maior, o Maligno, que comemorou mas teve que por o rabo entre as pernas, chamar uma reunião de emergência, criar um “gabinete de crise” depois que percebeu, o pobre e ignorante, que o mundo não está cheio de crentes em mamadeiras de pirocas.

Há assunto, e muito. E muita raiva acumulada para extravasar na escrita, porque não se escreve sem paixão! Só burocratas ‘pesquisadores’ que não sabem a quem estão servindo escrevem sem paixão seus ‘papers’, suas dissertações, suas teses. Sem nenhum gosto por seus temas e sem qualquer amor pela humanidade e muito menos, mas muito menos ainda, pelo fervor com a ciência!

E, ainda assim com tanto a dizer, estou ausente. E agora justifico: não tenho comparecido com crônicas políticas nestas segundas e terças porque estou trabalhando duro na tradução da obra monumental de Robert Alt, educador da antiga República Democrática da Alemanha.

Uma obra que encontrei na biblioteca de meu amigo Bernd Fichtner em Hilchenbach quando estava por lá como professor visitante do INEDD, programa internacional de doutorado em educação, da Universidade de Siegen. Fiquei apaixonado pelos dois volumes, lendo as imagens e tentando compreender esta língua de bárbaros que é o alemão!!!

Trata-se de uma história da educação através de imagens, que o autor chamou de “atlas mundial da educação”. Bernd Fichtner e eu pensamos que daremos uma contribuição à educação fazendo esta tradução de uma obra em dois volumes, cada um deles com mais de 600 páginas. As imagens e as informações que aparecem como comentários do autor trazem novidades desconhecidas por todos nós, como as preocupações com a educação de Goethe, de Schiller, de Herder… Um livro impressionante, escrito quando ainda não se tinha internet! As fontes manuseadas para encontrar as imagens compõem uma vasta literatura não só da área da educação.

A cada vez que aparece um nome novo: filósofo, artista, educador, político, romancista, poeta… lá vem entre parêntesis o ano de nascimento e de falecimento! E isso num tempo em que Wikipedia não existia nem nos sonhos dos mais visionários.

Esperem que verão o livro editado pela Pedro & João – já temos a autorização da editora alemã que o reeditou na década de 1990. E planejamos uma bela edição para 2020!!!

O BRASIL ESTÁ QUEIMANDO – DE VERGONHA

O BRASIL ESTÁ QUEIMANDO – DE VERGONHA

O Brasil está queimando como jamais queimou em sua história. O mais triste é o fato do fogo não ser acidental. O fogo não cai do céu, é ateado por mãos humanas. Por bocas de chefes de estado. Cabeças humanas com cérebros atrofiados incendeiam as matas naturais da Amazônia dia e noite – deficit cerebral por ação do capital. Destroem a vida da mãe natureza – vital para o Brasil e para o mundo inteiro do planeta terra.

E as tragédias não se restringem às chamas dos milhares de focos nas florestas da Amazônia. As fogueiras da vergonha que estamos sofrendo por causa e conta das ofensas, das agressões ao Estado, à democracia, às instituições públicas e à sociedade civil, e acima de tudo, das agressões às brasileiras e aos brasileiros de bem, que lutam, zelam e praticam os princípios da dignidade humana, são fogueiras cada vez mais ardentes. Estas chamas da vergonha são as mais trágicas e destruidoras.

O velho e verdadeiro dístico popular “o bom exemplo vem de cima”, aqui e agora no Brasil, virou do avesso, postou-se ao contrário: “o mau exemplo vem de cima”. Assistimos diuturnamente no palco do Planalto cenas e falas de ódio, de raiva, de ofensas, de ameaças, de desrespeito, de ignorância, de mentiras, de autoritarismo… de quem deveria dar provas de amor, de respeito, de tolerância mútua, de educação, de democracia, de trabalho assíduo, de competência, de justiça, de verdade, de solidariedade e dignidade humanas. A imagem do Brasil perante o mundo arde em chamas. E muito mais por conta das estapafurdices do presidente Bolsonaro do que pela ardência das chamas das florestas da Amazônia. A fogueira das mentiras, das acusações é mais devastadora do que os fogos das matas. O forte combustível destas fogueiras da mentira é o cérebro atrofiado.

O presidente Bolsonaro adotou um novo dístico: “Fogo acima de tudo – fumaça acima de todos”, do jeito que José Simão escreveu na crônica no jornal Folha de S. Paulo, do dia 24 de agosto de 2019. Ele quer apagar o fogo da Amazônia jogando gasolina.

Estamos sendo queimados pelo moralismo de palanque. Sempre em postura de valentão, Bolsonaro responde às peguntas dos jornalistas sempre em linguagem e palavras grotescas, agressivas, frente às câmeras da mídia, ao vivo em cenas reais. Uma popularização grotesca de um autoritário, ora, montando cavalo, ora, no salão de cabeleireiro, outra, vem tocando berrante e com outras obscenidades. Quando o ator principal do teatro público troca o palco pelo palanque, é indício e hora de trocar a cadeira presidencial pelo divã. Ou pelo pelego, se fosse um gaúcho nato.

É o caso verdadeiro e real, quando alguém não consegue aparecer, ser referido e mencionado pela competência de governo para o bem do Brasil – para o bem de todos e não apenas para minorias privilegiadas – aparece pelas falas estapafúrdias.

O fato triste e aterrorizante é que tem os admiradores, os amantes, os seguidores – os bolsoalienados – que ateiam fogo e incendeiam a opinião pública. Ainda outro dia, nas manifestações em Curitiba, um manifestante estava exibindo um cartaz com a inscrição: “Moro, o guardião da corrupção”. Isso mesmo, “guardião da corrupção”. Está certo! Verdadeiro! O guardião é o guarda que cuida de alguém ou de alguma coisa. Guardião é aquele que protege. Moro protegendo a corrupção. Defendendo a corrupção dos seus amigos e compardidários. Esse sentido invertido é a prova de cérebros atrofiados de parte da nossa sociedade. Por medo ou por omissão, outra boa parcela do nosso público se cala – os envergonhados e os medrosos.

Assim, o Brasil continua sendo queimado por consequência de uma eleição nefasta. As chamas das infinitas obscenidades de quem tem o dever de praticar o respeito humano continuam a nos queimar, todos os dias durante dia e noite.

Um alento, a  popularidade de Bolsonaro também está queimando.

É urgente atear fogo nas mentiras e salvar a Amazônia e o Brasil.

Globo: Kamil & Schroeder alucinados?

Globo: Kamil & Schroeder alucinados?

Nesta semana tivemos dois acontecimentos no jornalismo global diante da crise internacional provocada pela autorização e incentivos dados pelo presidente Bolsonaro aos incêndios e desmatamento da Amazônia.

Impossível esconder o sol com a peneira. Todo mundo sabe – mesmo os bolsomínios mais fanáticos – que nenhuma ONG de defesa da mata, nenhum grupo guerrilheiro ´petista´, nenhum povo indígena e sequer o agronegócio inteligente está queimando a mata. No governo, não dá para seguir com mentiras (chamadas fake News, este nome moderno com que se quer esconder um fato imoral e no caso brasileiros praticado por sujeitos amorais: a mentira). Mas sempre Bolsonaro tenta fazer isso: mentir para não agir.

Ora, a rede Globo deu amparo a Bolsonaro; deu amparo aos lavajateiros; deu amparo ao assassino que responde pelo governo do Rio de Janeiro; e diariamente fala do ´mercado´ que entre nós não passa de uns dezenas de CEOs que trabalham para o capital alheio ganhando polpudamente (o presidente da Vale ganhava um milhão e meio por mês!). Para os CEOs, como dizia Pedro Parente, somente interessa agradar os acionistas para permanecer no cargo. Aliás, Pedro Parente quando presidente da Petrobrás considerava acionistas somente os norte-americanos, e o povo brasileiro tinha a maior parte das ações não tinha para ele qualquer significado. Aliás, para CEOs pessoas nada significam, como mostrou a ação criminosa da Vale!

Sendo eles poucos e constituindo eles o Mercado tão afamado e acarinhado pela grande mídia, já nem é por ideologia que se afagam: os CEOs definem as verbas de publicidade, de modo que mercado entre nós significa um clube de ajuda mútua.

Agora a rede Globo está num mato sem cachorro: puxou saco do Moro – que está desmoralizado e sendo posto de lado pelo Maligno; o Deltan Dallagnol, tão queridinho, já está pior que pau de galinheiro, esmerdeado; e o Maligno está sendo execrado pelo mundo inteiro, sobrando só os imbecis de sempre que acreditaram em mamadeira de piroca.

Que fazem então os Ali Kamil, Carlos Wilson Schroeder, e toda sua equipe? Estão alucinados, aloucados: numa reportagem comparam Lula com o Maligno equiparando falas fora de contexto; noutra desmentem ponto por ponto as afirmações do Maligno. Giram abilolados, mas jamais esquecendo de continuar sua tentativa de destruir Lula! Isso eles não esquecem, disto eles não abrem mão, com isso morreram sufocados por suas próprias línguas, também elas malignas e mais venenosas do que as charlatanices e cretinices do Imbecil Maior.

Existe um tempo, de Anna Mariano

Existe um tempo, de Anna Mariano

Existe um tempo em que não há mais tempo

Ao teu redor a pressa desvanece

Um verso alheio te faz companhia

Um nu silêncio toma tua mão

E o tango triste que teu pai cantava

Faz dormir a lua dos teus pesadelos.

E quando aprendes a viver com pouco

E pensas em coisas que antes não pensavas

E as organizas (brancas prateleiras)

Na ordem louca que só tu conheces.

Um tempo existe em que não há mais tempo

E nesse tempo a vida é suficiente

E o pouco tempo já não mais importa.

(Anna Mariano. Apenas por nós choramos. Guaratinguetá : Editora Penalux, 2019)