Homenagens a Moro e Dallagnol

Homenagens a Moro e Dallagnol

Enfim, encontrei homenagens cabíveis em autores consagrados. Dados os últimos acontecimentos, com vídeos circulando e mostrando que nada da tão famigerada e cantada – pela Globo – reforma do tríplex é verdadeiro, que as coisas estão deixando a desejar às descrições fantásticas, havendo apenas um apartamento chinfrim até para qualquer delegado da PF, é obrigação nossa homenagear àqueles que viram o que não vimos por cegueira ideológica nossa.

Assim, penso que diante disso devo prestar minhas homenagens as mais sinceras ao chefe da investigação, o procurador Deltan Dallgnol, trazendo uns versos de Dante:

Da fraude o vulto imundo aproximava!

            A cabeça avançou e o torpe busto,

            Porém pendente a cauda lhe ficava

A cara assomos tinha de homem justo,

            Tanto era o parecer benino e brando!

            No mais serpe, movia horror e susto.

(Dante. A Divina Comédia. O Inferno. Canto XVII, 7-12. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro, São Paulo : Cia. Brasil Editora, 1955)

Como não se pode elogiar e homenagear subordinado sem dar os devidos créditos aos seus superiores, no caso, o Superior a tudo e a todos, vai minha homenagem à sentença condenatória tida como irretorquível, ainda que tudo seja falso em relação aos fatos – afinal as notas fiscais de empresa da mesma república tudo comprova e a reportagem da Globo garante a verdade. Eis, pois, a homenagem à sentença:

Existem atualmente tantos escritores bárbaros e tantos discursos que os vícios de estilo tornam confusos, que não se compreende mais nem quem fala, nem do que fala. Tudo se incha e relaxa como uma serpente doente que vai se despedaçando enquanto ensaia suas volutas (…) Mas de quer servem tais bruxarias de palavras?

(São Jerônimo. Adversus Jovinianum I. apud. Umberto Eco. A história da feiúra. Rio de Janeiro : Record, 2007, p. 111 – mantive o acento em “feiúra” tal como aparece na edição do livro)

 

Tiradentes insultado pelo Temer

Tiradentes insultado pelo Temer

Na manhã do dia 21 de abril último, um habitante mineiro de Vila Rica – atual Ouro Preto –  ficou tomado pelo pensamento sôfrego e possuído impulsivamente pelo desejo de caminhar pelos lugares onde foi morto e esquartejado Joaquim José da Silva Xavier – o bravo herói Tiradentes. O roteiro da caminhada seria: primeiro, passar pela praça pública de Vila Rica, lá onde Tiradentes foi enforcado, o corpo esquartejado e a cabeça foi encravada numa estaca e exposta ao povo horrorizado, no dia 21 de abril de 1792. Tiradentes foi condenado pela justiça do Rio de Janeiro a mando do governador da Capitania de Minas Gerais, Visconde de Barbacena, nomeado pela Coroa Portuguesa. Na praça, muito acabrunhado e nostálgico, o professor emérito de história sentou-se num banco e passou a meditar e rememorar a história de vida e morte de Tiradentes. Passou sentir as dores físicas e mentais que Tiradentes sentiu nos instantes trágicos do seu enforcamento.

Depois, já comovido e revoltado com a barbárie cometida naquela praça, agora rememorada, cada vez mais abalado, o professor de história seguiu caminho pela estrada que leva para o Rio de Janeiro. Lá, o local onde foram jogadas as partes esquartejadas do corpo de Tiradentes, espalhadas pelos barrancos, expostas nas pedras e nas árvores, à vista de todos os que por lá passavam. Tudo para botar medo nos trabalhadores, escravos e todos que lutavam pela liberdade e pela independência. A passos lentos, o professor foi chegando. Olhando aquela paisagem triste, respirava silenciosamente. Um silêncio sepulcral. De repente começou escutar coisas. Vozes de homens. Muito assustado, pois não havia ninguém no lugar. Foi andando mais perto, com o coração já batendo forte, começou escutar a conversa.

– Temer, ontem você me insultou covardemente! Você se comparou a mim. Você nunca foi, não é e nunca será o Tiradentes! O Tiradentes do dia 21 de abril, homenageado de herói, sou eu, Joaquim José da Silva Xavier!

– Joaquim, eu me comparei ao Tiradentes só para elevar a minha imagem! Que tá uma porcaria, uma vergonha! Ninguém aprova meus programas. Pior, menos de um por cento dos eleitores irá votar em mim para presidente.

– Mas você, Temer, não podia se comparar ao Tiradentes. Você é um presidente golpista! Só está à serviço dos grandes exploradores, do jeito que foi nomeado o Visconde de Barbacena pela Coroa Portuguesa. Você, Temer, está a serviço das elites brasileiras a mando e serviço dos patrões estrangeiros do jeito que Barbacena estava a serviço da Coroa Portuguesa.

– Eu sei, Tiradentes, eu sei! Mas…

– Mas o que?

– Eu sei que as elites brasileiras sempre entregavam e continuam entregando sem fim as nossas riquezas naturais – patrimônio comum, bem de todos – de mão beijada aos poderosos e proprietários estrangeiros avarentos. Eles são os meus verdadeiros patrões. É claro, escondidinhos e protegidos pela mídia hegemônica.

– Eu, ao contrário, Temer, durante minha vida toda combati a exploração e o roubo das nossas riquezas! Lutei até a morte pela liberdade e independência. Fui condenado à forca pelos poderosos, mas não me entreguei!

– Eu sei. Você, Tiradentes, você é um herói do Brasil. É por isso que eu preciso me comparar a você para esconder o que sou na vida real. O contrário de você.

– Mas isso é mentira, é falsidade, é mais um golpe contra o povo e o Brasil. Você é o corrupto ignóbil, ocupando o cargo mais elevado do Brasil para proteger os políticos e empresários corruptos, ladrões…

– Tiradentes! Por misericórdia! Quero que você entenda, eu preciso, eu devo continuar no poder senão o PT do Lula voltará ao Planalto.

– É exatamente isso que o Brasil precisa! Lula no Planalto. Hoje ele está no cárcere a seu mando e por determinação do poder supremo do Brasil.

– Por Deus do céu, Tiradentes!

– Por Deus, não! Você é do Satanás e dos diabos do inferno! Você continua desrespeitando e profanando o nome sagrado e o nome de quem lutou honestamente para o bem dos brasileiros.

– Por gentileza, Tiradentes, você está morto e não perde nada com isso!

– O que? E o povo brasileiro, que você explora para enriquecer ainda mais as elites brasileiras e estrangeiras – doando a Petrobras, a Eletrobras e tantas outras riquezas, patrimônios e bens comuns de todos nós – até quando vai aguentar as suas maldades e mentiras?

– Mas!…

– Chega! E nunca mais se compare ao Tiradentes!

Esquivel, Boff… De recusa em recusa, rasga-se a fantasia

Esquivel, Boff… De recusa em recusa, rasga-se a fantasia

Cada vez mais a gente descobre: não existe o fundo do poço. O poço da ilegalidade e do mau caratismo de decisões fundadas nos desejos e convicções introjetados nas mentes pelo martelar contínuo da mesma mídia é um bom exemplo do que seja o infinito. Um exemplo didático da infinitude do universo.

Não importa a vergonha por que o sistema passa no mundo. Qualquer decisor está acima destas vergonhas e legalidades. Como disse o vice-presidente Pedro Aleixo quando da edição do AI-5: o problema é o guarda da esquina. Empodeirados a mais não poder, exerce-se o poder e ponto final. Que estrilem as leis, que estrilem os desabonados Esquivel e Leonardo Boff e outros menos votados. E apliquem multas a quem continua a se manifestar contra a prisão de Lula… sabem, uma multa que se aplica a anônimos é uma inovação legal. Mas de inovações estamos repletos e de saco cheio: o Dr. Angélico escreveu estas anomalias numa sentença, logo são lei – uma condenação por atos inespecíficos em tempos indeterminados… Haja inovação! Nem os Imperadores Romanos chegaram a tanta inovação no direito romano. Eram ao menos mais diretos: mandavam matar.

As lágrimas de Leonardo Boff e sua foto, sentado à frente da sede da Polícia Federal da república curitibana, acabarão ganhando o mundo. E são fotos que não estavam no cardápio que o sistema queria servir ao mundo. O sistema pensava que a foto de um Lula algemado ganharia mundo. Mas foi a foto de um Lula carregado pelo povo que ganhou as páginas dos principais jornais, além de circular entre milhões nas redes sociais.

E o sistema não quer parar de produzir fatos e fotos que o desabone. Continuará a “proferir” decisões as mais estapafúrdias, desde que com isso consiga manter o isolamento de Lula, apostando no esquecimento.

Acontece que o povo brasileiro não esqueceu até hoje Getúlio Vargas, mas nem sabe quem foi Lacerda! O estadista de Higienópolis, FHC, tentou enterrar a memória de Getúlio, e enterrou a si mesmo nas babas de sua vaidade.

D. Maria I, a Louca, a primeira cabeça coroada que pisou nosso solo com seu filho regente d. João VI, ressuscitou a loucura dos serventuários do poder. Desde tempos imemoráveis de nossa história a elite brasileira foi espetaculosa.

Mas os espetáculos de agora, de espetáculo a espetáculo, estão resgando a fantasia.

Quando aparecerá a nudez?

E vamos reformando…

E vamos reformando…

 

A reforma do ensino médio tem sido uma verdadeira queda de braço entre órgãos governamentais e grupos da sociedade. Trata-se de uma mudança na estrutura do sistema atual do ensino médio que propõe a flexibilização da grade curricular para, segundo texto do documento, “aproximar o ensino médio e a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”, sobretudo para permitir que cada um siga “o caminho de suas vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho”.

No contexto do processo de industrialização, o fato de as crianças serem encaminhadas às escolas a fim de receberem formação profissional para depois serem integradas ao trabalho significou, à época, uma estratégia para a redução da pobreza. E tal processo fora apreciado por Toffler (1970, p. 393) que, ao abordar a passagem que as crianças fariam das escolas às fábricas, afirmou se tratar de um problema extremamente complexo e questionou “como preadaptar crianças a um mundo novo de trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio”. Para aquela situação, a solução vislumbrada estava em um sistema educacional que, “na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo”. Por isso, a ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica), foi uma demonstração da lógica pensante industrial.

O que Toffler (1970) explicitou foi que o sistema educacional serviria, no contexto de industrialização, para alavancar o processo de desenvolvimento pelo qual a sociedade passava. Mas, ainda hoje, essa é uma questão muito controversa. A maneira como a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Reforma do Ensino Médio ainda em curso tratam a relação entre a educação e o mundo do trabalho é alvo de muitas críticas e uma delas se deve à concepção de que o ensino médio seja a etapa final da educação básica, cuja terminalidade culmina em termos de profissões técnicas. O saber pensar pode não ser profissão, mas se não for considerado no contexto da renovação permanente, não haverá profissão moderna que subsista.

Há, nas estratégias governamentais, a estratégia de afirmar que um país só pode desenvolver-se por meio da educação e, mais especificamente, em razão do professor. O fato é que, por mais que não seja totalmente aceitável, há uma associação da educação ao processo de desenvolvimento de um país, e tal posicionamento é totalmente explícito na produção de sentidos. Não se trata de questionar o porquê da escolha desta construção discursiva, mas, sabe-se que o desenvolvimento de um país não depende exclusivamente do desempenho de uma única área, tampouco da atuação de um único profissional.

Outra coisa é que desenvolvimento nem sempre é o signo que dialoga com os ideais da educação, provavelmente pela relação histórica que se faz entre desenvolvimento e sistema social capitalista, muitas vezes considerada como perniciosa e avessa aos valores humanos. Na prática, o educador é convocado a fazer de sua função um instrumento para a construção de relações humanas cuja força não seja proveniente apenas dos feixes de dominação e obediência.

TOFFLER, A. Choque do futuro. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1970.

Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.

Texto curto de uma dor grande

Texto curto de uma dor grande

 

Para atrair mais leitores vou começar dizendo que não vou falar do Lula, assim os desafetos poderão ler, mas talvez essa seja apenas uma estratégia para falar sem dizer, ou não escrever, mas não deixar de sentir. Nem tudo que escrevo tem verdade, e tem, porque sinto.

Sigamos, porque o argumento deste texto é dos melhores, talvez eu que não esteja à altura dele, mas atrevida que fenotipicamente sou, escrevo!

Dona Ivone Lara nos deixou no mesmo dia em que Paul Singer.  Uma data já entristecida pela situação, pelas certezas e incertezas de que o amanhã pode ser maior. Dois grandes, dois enormes.  Duas biografias irretocáveis, de contornos suaves, dados pela generosidade: de uma gente que se dá tanto. 

Ivone morreu e me reativa a necessidade de escritura. Explico. A figura já lendária que conhecemos é a da compositora que enfrentou uma sociedade entremeada de racismo e machismo para fazer com excelência seu samba…

“Alguém me avisou

Pra pisar nesse chão devagarinho

Alguém me avisou

Pra pisar nesse chão devagarinho”

(Alguém me Avisou, Ivone Lara)

E assim cantando, a música vai se parecendo com a proposta de Singer, de um socialismo que se aprende no dia a dia, que se arrisca no capitalismo traiçoeiro, por meio de uma economia solidária, de arranjos colaborativos, de uma redistribuição de renda, pisando devagarzinho em terreno perigoso.

A dama do samba também pisou devagar, por entre rodas de compositores de samba, e assim passinhos certos no compasso, eternizou em suas canções o sentimento, a história, a resistência, as dores e, de forma mais que especial, a alegria de um povo negro que insiste em sambar, em fazer poesia, em ter direito a sonhar.

Essa história linda, que transforma dor e preconceito em luta num período recente de pós escravidão – vamos entender que Dona Ivone nasceu 33 anos após abolição da escravatura – não é uma história que temos acesso todos os dias.   Muita ousadia, ou como diriam os ex-donos de negros e negras: insolência! Tornar-se enfermeira e assistente social, trabalhar em um dos setores mais elitistas e discriminatórios até hoje que é a área médica, sobretudo a de atendimento ambulatorial é não entender, entendendo seu lugar no mundo.  Arrepiante!

E aí saber que sua prática próxima, ou melhor, mergulhada na realidade material, é de uma humanidade sem igual. A partir dessa história, que me foi dada a conhecer apenas agora, por ocasião de sua morte, eu só vou exemplificar o poder transformador e revolucionário do saber com essas ações da nossa Dama Negra: buscar incansavelmente as famílias dos negros e negras que eram recolhidas nas ruas e que seriam de forma compulsória enviados para os hospícios com a finalidade de higienização social.

Muita gente não entende, talvez por que não queira, a necessidade de criar oportunidades. Ivone e Paul Singer entendiam, e eles não servem de exemplo para os que podem supor que fizeram suas oportunidades sozinhos, o que é em partes verdade. A questão é que o ponto de contato com a dor e a desumanização das pessoas constituiu nesses dois fenômenos uma força reversa.

Ofereceram a Paul Singer o que de pior a humanidade poderia produzir: o holocausto. Ele respondeu com inclusão e amor, alimentar os que têm fome, dividir e diminuir para somar e multiplicar. Criar laços que não perpassassem por etnia, cor e poder.

Para Ivone Lara a negação de nossa ancestralidade, o apagamento de nossas histórias, a brutalidade, a violência, o assassinato ou posterior descarte “ao próprio azar” depois de sistêmicos crimes foram combatidos com samba, resgates, muita poesia e narrativas.

É um texto triste esse de hoje, mas ao mesmo tempo é um texto que fala de esperança, e essa não pode ser dada assim facilmente, então é preciso mesmo que a gente se permita tocar, conhecer e pisar nesse chão devagarinho.  As histórias destes dois ícones revelam que a esperança não dorme em berço esplêndido, e talvez a esperança exija de nós outras lutas, força e sensibilidade como diz a canção:

 

“Força da imaginação, vai lá

Além dos pés e do chão, chega lá,

O que a mão ainda não toca

Coração um dia alcança

Força da imaginação, vai lá”

(Força da Imaginação, Ivone Lara)

Mara Emília Gomes Gonçalves escreve neste blog às quintas-feiras.