por João Wanderley Geraldi | mar 31, 2018 | Blog
Nossa! Quando li na capa do livro o marketing “O melhor livro que você terá nas mãos” (Los Angeles Times), achei um exagero. E é! Mas que o livro é bom, não resta dúvida. Um romance para ler atento, desfrutar e, ao mesmo tempo, aprender um pouco sobre a vida: seus personagens ensinam o mal viver, mas apontam para saídas mínimas disponíveis dentro do stablishment.
Jennifer Egan usou de duas técnicas muito interessantes. Do ponto de vista narrativo, a técnica de mudança de narrador acontece sem que a gente espere. Há capítulos – a maioria deles – em que um narrador em 3ª. pessoa, onisciente e condutor do fio narrativo vai contando a história; mas há capítulos em que a narrativa vai para a primeira pessoa, narra um dos personagens! Estas mudanças repentinas de narradores faz o leitor dar um breque na leitura, recuperar o lido para avançar. Nem sempre o leitor identifica, de imediato, o novo narrador. Depois de algumas destas passagens de voz, percebe-se que antecipadamente o novo narrador apareceu de refilão no capítulo anterior. Há um capítulo, na forma de esquemas, que é até assinado por uma das personagens da trama. Escrita em gráficos, em flechas, em palavras-chave de um relacionamento entre pai e filha (Alison Blake) e desta com o irmão Lincoln. São relações familiares esquematizadas, com retomadas de falas do cotidiano.
Uma segunda técnica envolve o tempo, as rupturas com a cronologia. Se narrativa se inicia num tempo presente, faz retrocesso ao passado e aponta, em momentos de presente, o futuro da própria personagem. São momentos que levam o leitor a saber o que acontecerá com “alguém”, porque as informações lhe são antecipadas pelo narrador, como nos exemplos:
Charlie não conhece a si mesma. Dali a quatro anos, aos 18, vai entrar para um culto do outo lado da fronteira mexicana cujo carismático líder defende uma dieta de ovos crus, quase morrerá de intoxicação por salmonela antes de Lou a resgatar. O vício em cocaína exigirá uma reconstrução parcial de seu nariz, modificando sua aparência, e uma série de homens fracos e dominadores a deixará sozinha aos quase 30 anos tentando negociar a paz entre Rolph e Lou, que terão parado de se falar.
…
Lou e Mindy dançam colados, com o corpo inteiro se tocando, mas Mindy está pensando em Albert como fará periodicamente depois de se casar com Lou e ter duas meninas em rápida sucessão, os filhos número cinco e seis dele, como quem corre na direção contrária do inevitável declínio da atenção do marido. No papel, ele não terá um tostão, e Mindy acabará trabalhando como agente de viagem para sustentar as filhas.
O enredo é extremamente complexo. Como os tempos são entrecortados, somente no final da leitura pode o leitor tentar organizar alguma cronologia. O pano de fundo é o rock, a droga leve da época e as bandas de rock. As personagens-chaves são dois produtores de discos: Lou e Bennie. O segundo foi uma espécie de sucessor do primeiro. Ambos descobriram bandas de rock que levaram ao sucesso. E os componentes das bancas (particularmente da Conduits) se tornarão também personagens, particularmente o baterista desta banca, Alex. Consideremos alguns episódios:
- Sasha é secretária de Bennie. E com uma sessão de sua terapia que a narrativa se inicia. Ela é cleptomania. Em capítulos posteriores ela aparecerá num episódio em que num restaurante rouba a carteira de uma frequentadora e é por esta descoberta, mas tudo fica em segredo entre as duas mulheres. Alex (o baterista ainda promessa) acompanha Sasha até seu apartamento, e lá descobre as muitas coisas que ela surrupiou e que deixa expostas. Depois deste encontro furtivo, o casal jamais reaparecerá. Mas filhos de Sasha aparecerão no final do romance.
- Scotty é amigo de juventude de Bennie, também da banda. Será o exemplo do fracasso. Vive de um emprego e de catar lixo. Numa das revistas que lê numa banca, descobre que seu amigo Bennie é um bem sucedido empresário da música. Depois de uma pescaria em que fisga um robalo, resolve visitar o antigo amigo levando-lhe o peixe de presente. Este episódio é talvez o episódio mais cômico de todas as narrativas entremeadas pelas diferentes vozes de narradores. Scotty reaparecerá no final do romance.
- Bem sucedido, e saído de um casamento, Lou viaja para um safári na África, acompanhado por sua namorada Mindy, pelos dois filhos do primeiro casamento, Rolph e Cristie, e por duas assessoras da empresa, Jocelyn e Rhea. Estas personagens desaparecerão no romance. São deste safári os trechos citados acima.
- Como o advento da internet, em que qualquer um pirateia qualquer música e mesmo crianças de 3 anos são capazes de usar aplicativos para escutarem o que quiserem, a indústria que deu lucros e sucesso primeiro a Lou, depois a Bennie. O primeiro não conheceu este tipo de fracasso, mas o segundo cai para ficar sem um tostão. Esquecido do meio artístico-musical, ao final do romance ele convoca Alex (o antigo membro da banda mais famosa que ele lançou) para ajuda-lo a transformar Scotty num sucesso.
- A construção deste sucesso é espetacular: Alex se encarrega de arrumar 50 ‘papagaios’, isto é, aqueles que escrevem em sites, blogs, que estão nas redes sociais, para falarem bem de Scotty e de suas músicas e do show ao ar livre que este daria. Alex seleciona os papagaios a partir de três critérios que entrecruza: necessidade (de dinheiro), o respeito que tinham nas redes sociais (alcance) e quão passíveis eram de se vender essa influência (corruptibilidade). Postas em circulação os elogios, a fama de Scotty Hausmann está feita e o final do romance é a apoteose do show de um artista que ganha nome graças às mentiras que circularam pelas redes sociais, numa crítica em dois níveis: primeiro à música que deve ser tão suficientemente infantil que agrade a bebês e a adultos, e em segundo lugar à pós-verdade que comanda as notícias que, mesmo falsas, ganham ares de verdade.
O diálogo entre Alex e a jovem Lulu (filha de uma personagem do início da narrativa e que fora assessora de imprensa de sucesso) é extremamente interessante, porque confronta dois mundos diferentes, aquele de um homem vindo dos tempos do rock e da verdade com a jovem dos tempos das ambivalências.
Vale a pena conferir alguns dos ensinamentos de Lulu para que Alex não se sinta culpado por estar construindo do nada um mito:
… O Bennie falou que a gente vai formar um time cego, e que você vai ser o capitão anônimo.
Ele usou esses termos?
Lulu riu.
– Não, esses são termos de marketing. Aprendi na faculdade.
– Na verdade, são expressões esportivas. Elas vêm… do esporte – disse Alex.[…]
– As metáforas esportivas ainda funcionam – ponderou Lulu.
– Então isso é uma coisa conhecida? – perguntou ele. – Time cego? – Alex tinha pensado que essa fosse uma ideia sua: minimizar a vergonha e a culpa de montar um grupo de papagaios reunindo um time que não sabe que é um time, nem que tem um capitão. […]
– Ah, claro – respondeu Lulu. – Os TCs ou times cegos funcionam especialmente bem com gente mais velha. Quer ndizer… – Ela sorriu – Com mais de 30.
– E por quê?
– Os mais velhos resistem mais a … – Ela parecia hesitar.
– Serem comprados?
Lulu sorriu.
– Está vendo, é isso que nós chamamos de metáfora dissimulada – disse ela. As MDs parecem descrições, mas na verdade são juízos de valor. Quer dizer, alguém que vende laranjas por acaso está sendo comprado? A pessoa que conserta eletrodomésticos por acaso está se vendendo?
-Não, porque elas fazem isso às claras – disse Alex, consciente de que estava sendo condescendente. – É tudo abertamente.
– Essas metáforas, “às claras” e “abertamente” fazem parte de um sistema que a gente chama de purismo atávico, entende?
…
– Você acha que não tem nada de inerentemente errado no fato de se acreditar em alguma coisa, ou de dizer que acredita, em troca de dinheiro?
– “Inerentemente errado” – repetiu ela [Lulu] – Meu Deus, como é ótimo exemplo de moralidade calcificada! Preciso me lembrar disso para contar ao meu professor de ética moderna antiga, o Sr. Bastie, ele coleciona estes exemplos. Olha aqui – disse ela, ao endireitar as costas e piscar os olhos cinzentos um tanto sérios (apesar da expressão amistosa do rosto) para Alex. – Se eu acredito, acredito e pronto. Quem é você para julgar os meus motivos?
…
AE: ambivalência ética frente a uma ação de marketing forte. […] Acho que a AE é uma espécie de vacina, uma forma de se redimir por antecedência de algo que você na realidade quer fazer.
Trata-se da nova ética dos tempos virtuais, em que tudo se reduz à linguagem. Não por acaso este último capítulo tem por título “Linguagem pura”. Com isto tudo dá para recuperar o que é “a visita cruel do tempo”: de um lado, o tempo que envelhece também descarta as pessoas e seus sucessos; de outro lado, o tempo novo que aparece tem a crueldade de uma ambiguidade ética que perpassa a sociedade como um todo, indo bem além das redes sociais e seu tempo virtual. Cruéis, ambos os tempos. Como se vê, ao livro não falta mordacidade!
Só por estas pequenas indicações, o leitor poderá antecipar o prazer da leitura deste romance que mereceu o prêmio Pulitzer de Ficção em 2011.
Referência: Egan, Jennifer. A visita cruel do tempo. Tradução de Fernando Abreu. Rio de Janeiro : Intrínseca, 2011.
por Mara Emília Gomes Gonçalves | mar 29, 2018 | Blog
Voltados que estamos para nossas próprias mazelas, não temos dado atenção devida ou necessária a uma importante movimentação que tem ocorrido em terras norte-americanas: a ação chamada de “Marcha pelas nossas vidas”, cuja principal bandeira é o desarmamento da população, organizada por jovens secundaristas, as principais vítimas de massacres e crimes de ódio no país.
Neste momento, em que saem às ruas pedindo o desarmamento americano, é preciso entender que o recrudescimento da xenofobia, misoginia, homofobia e racismo, tiveram sua origem na eleição de Trump, resultado de um desejo de mudança. Após uma política interna de apoio às minorias, atenção à diversidade e garantia de direitos civis, praticada por Barack Obama, uma parte da sociedade entendeu que a crise era resultado dessa postura e não de uma saturação do modelo econômico imposto em grandes medidas pela política internacional americana. O que nem de perto é verdade, mas parece aplacar a sanha dos setores conservadores e bélicos. É muita estupidez, mas parece muito confortável para alguns assumir uma postura conservadora: “América para os americanos”, que originalmente significa toda a américa latina para os estadunidenses.
Algo parecido acontece no pensamento colonizado de grande parte da classe média brasileira, o pensamento simplista e equivocado teria uma tradução livre assim: Farinha pouca, meu pirão primeiro. Ainda que isso signifique a fome de muitos ou morte de outros. Sabe as pessoas que têm um sítio e uma casa e pensam que o comunismo vai tomar esse sítio para a reforma agrária? Pois é. Sabe aquela pessoa que é funcionária pública e defende o fim dos impostos ao invés de alíquotas progressivas, ou aqueles que acham que o problema da juventude com depressão é falta de surra? Ou que os negros não merecem políticas de ação afirmativa? Ou que mulheres são mortas e estupradas porque fizeram por merecer? Que professores não deveriam ter direito a férias e recesso? Ou que é justo uma casta ter auxílio moradia enquanto muitos nem teto ou refeição garantidos; ou que bandido bom é bandido morto, desde que seja preto e pobre.
Aqui, discursos de ódio apontam também para limitação em enxergar as causas globais, profundas e coletivas, da crise econômica e política que ajudariam a compreender o avanço das questões de violência e falta de segurança. O resultado são pautas diversionistas e conservadoras com a finalidade de imputar sob grupos de minorias a responsabilidade por todos os problemas e a punição por esses problemas.
Não tem lógica nenhuma. E a falta de razão é alimentada e aplaudida por quem quer que essa seja a condição: irracional, brutal, próxima da barbárie. Do contrário como não interpretar que crianças violadas em seus direitos básicos são mais passiveis de tornar-se violentas?
Como se não pudéssemos discernir sozinhos, não nos oferecem dados e informações para a reflexão, ou pior direcionam nossos humores para os resultados desejados, ao tempo em que exigem de nós posições estanques, dividindo o mundo entre o certo e o errado, o bom e o mal, o novo e o velho, o azul e o vermelho, a esquerda e a direita. Lembro sempre do exemplo do copo com água até a metade, nem cheio, nem vazio e ao mesmo tempo cheio e vazio. Possibilidades várias.
Nesses momentos sempre gosto de recorrer a literatura, O conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, nos oferece uma imagem rica, e significante do nosso ato de muitas vezes não notarmos que existe uma margem invisível, compreendida entre os limites. Vejamos essa passagem:
“Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.” (In Rosa, João Guimarães. Primeiras Estórias. Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1988, pág. 32.)
A riqueza deste trecho é imensurável. Como pode alguém não voltar sem ter ido a nenhuma parte? Ou aquilo não havia, acontecia… Mas quero destacar dois aspectos fundamentais para os dias atuais, senão para a vida: o primeiro é a quebra da invisibilidade, e o segundo a resiliência. Neste último, a naturalização de quem se sabe sujeito da marginalização e que, por isso mesmo, assume para si todo o pesado fardo, inclusive de morte em vida. É como se o personagem central tivesse sido impelido pelo próprio destino a corroer o medo por dentro, não é o querer, é a necessidade quem o leva ao enfrentamento da ordem.
Impossível não associar essa figura humana demais, que se oferece em sacrifício, compreendendo o que a muitos não é dado entender, ou sequer enxergar, com nossas lideranças dos direitos humanos, e até mesmo com o ex-presidente Lula que se agiganta colocando-se à disposição da prisão, e da morte. Aqui, vale lembrar que não faço propriamente uma leitura crítica, muito mais uma apreciação comentada.
Ainda nesta narrativa de Rosa nos identificamos ao final com o filho que deseja substituir o pai na sua sina, mas temos medos vários. Não continuarei para não dar spoiler do final do conto, e para não alimentar aqueles que querem conforto. Acrescento apenas que os medos, assim como as paixões, podem nos paralisar ou nos oferecer força.
Nesse sentido, as marchas americanas em favor do desarmamento servem de exemplo, uma vez que a cultura americana (e por vezes o sonho americano) fomentou a corrida armamentista, ocultando aspectos negativos em detrimento dos dividendos comerciais e políticos, e são os mais jovens agora que pleiteiam as mudanças uma vez que são eles que mais perdem vidas. Ponto para a força dada pelo medo da morte que se avizinha.
No Brasil, em alguns centros urbanos, surge um movimento chamado de “Vidas negras importam”, em uma manifestação de fechamento da Radial Leste em São Paulo uma das faixas continha os dizeres: “perdemos muito, inclusive o medo”. Também aqui a força do medo refaz condições.
É esperado que o movimento negro, organizado ou não, sob uma pauta identitária ou não, dê uma resposta para a nossa sociedade, pois temos em curso o genocídio deste povo. Se a pobreza tem cor, e sabemos que tem, ela é quem delimita que as baixas são todas de um mesmo lado, vestidos de todas as cores, fardados, descamisados, uniformizados, sem teto, nas escolas, nas favelas, sem terra, jovens, mulheres, e Marielles.
O risco de acirramento dos ânimos é que para alguns a perda de cifrões pede política econômica mais austera, e para outros a perda dos seus, e das suas próprias vidas, desnudam a condição de que não há mais nada a perder.
Se existe uma oposição real é esta: de um lado não morre quem manda matar, e do outro, ao enfrentar o medo se descobre, que só morre quem se deixa morrer.
Mara Emília Gomes Gonçalves escreve neste Blog às quintas-feiras.
por José Kuiava | mar 28, 2018 | Blog
As cenas telenovelisadas mais dramáticas que assistimos nos últimos dias seriam espetáculos risíveis se não fossem tragédias reais do nosso cenário político nacional – um real e verdadeiro campo de batalhas. Selecionei três cenas – “fatos reais” – que mais me aborreceram e perturbaram meu sono nas últimas noites.
Cena um – a dança de Alckmin, com uma dançarina. Ele, um tucano burguês nobre, rigorosamente enfatiotado e engravatado, muito ridente, dançando forró com uma mocinha elegante, vestida a rigor, uma “modelo ecológica”, também muito simpática e sorridente. A dança aconteceu em Brasília num evento mundial em defesa e preservação da água – comercialização e privatização, numa versão mais real e verdadeira – um bem vital de todos. Ele, Alckmin, muito excitado já encenando o ensaio da campanha eleitoral, um ator candidato a presidente do Brasil. Para cativar o público, escolheu uma mocinha bioecológica, uma imagem de defensora da água, muito ridente e rebolando seu corpo com muita graça, embelezando a feiura carecatorial de Alckmin. Uma verdadeira graça feminina de aparência, escondendo a podridão política de quem quer ser presidente do Brasil. Os dois corpos exibindo uma popularidade encenada – porque falsa – para a campanha eleitoral. Tempos atrás, o também tucano e prefeito da cidade de São Paulo, Dória, certa vez, se vestiu de gari e foi varrer ruas diante das câmeras, para fantasmagorizar sua real e verdadeira imagem de um burguês simples e popular. Uma imagem grotesca de quem ganha milhões no comando político se vestir de roupas e fazer o trabalho de quem ganha salário mínimo por mês. É claro, isso somente por um instante, o suficiente para as câmeras da mídia registrarem o gesto de humildade e solidariedade. Está muito claro no cenário político da conjuntura atual o empenho dos protagonistas – políticos apressados – a candidatos se fantasiar de “novos políticos novos”, porque se aparecerem como são na realidade – “velhos políticos da velha política” – não se elegerão.
Cena dois – o bate-boca de ministros do Supremo – Roberto Barroso e Gilmar Mendes. É mais uma cena real e mais uma prova de desmascaramento da imagem histórica de uma Justiça impecável e inquestionável perante a opinião pública. Até bem pouco tempo ninguém podia duvidar da conduta ética dos juízes nas decisões de condenação e absolvição de acusados e de criminosos. Agora, juízes e ministros, desembargadores e procuradores do Supremo, sempre muito bem postados e vestidos de togas e becas, vem demonstrando com muita clareza em seus posicionamentos e em suas decisões uma preferência ideológica e política, renegando os princípios éticos e legais. A prova mais recente desta verdade é o bate-boca do ministro Gilmar com o ministro Barroso, na sessão do dia 21.03.2018. Uma prova de que no Supremo não há argumentos lógicos, legais, éticos e dialógicos. Gilmar falou: “Agora eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com dois, três ministros. Aí a gente faz um 2×1”. Barroso respondeu: “Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia. (…) Vossa Excelência não consegue articular um argumento. Não tem nenhuma ideia, só ofende as pessoas. Qual é a sua ideia? Qual é a sua proposta? Nenhuma. É bílis, é ódio, mau sentimento. Vossa Excelência é uma desonra para o tribunal. Vossa Excelência, sozinho, desmoraliza o tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com Vossa Excelência aqui. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça”. Sem comentários.
Cena três – “Seria covardia não ser candidato”, assim falou Temer à revista IstoÉ, confirmando que concorrerá à Presidência em 2018. Aqui está mais uma prova histórica: golpistas, invasores, ditadores… todos precisam de coragem, e não ter medo nem dó de derrubar e liquidar estados, governos democráticos, sociedades e nações. Ele, o Temer, com 1% de intenção de votos e com 3% de brasileiros que aprovam o seu governo golpista, será (é!) candidato à Presidência do Brasil. Assim, só por valentia! Mandando a covardia para o fogo do inferno. Esta demonstração de excedente de coragem e valentia não seria um disfarce por conta do medo de ser condenado e preso frente às dezenas de processos de crimes, hoje retardados e engavetados no Supremo?
José Kuiava escreve neste Blog às quartas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | mar 27, 2018 | Blog
Lula viaja ao sul carregando sua indestrutível esperança, seu jeito conciliador, jeito que é próprio dos brasileiros menos atingidos pela semeadura do ódio que realizando com eficácia a mídia hegemônica, o judiciário, as polícias federais e estaduais e grande parte da classe política brasileira inconformada com a manifestação da vontade popular nas urnas não lhes dando a vitória tão almejada por Serra, por Alckmin e por Aécio.
Quando vejo imagens do que aconteceu no sul do país, tenho vergonha de minhas origens gaúchas. Não vergonha do povo gaúcho, mas vergonha por haver entre gaúchos graúdos que se prestam a pagar agressões, a financiar a violência. Covardes que são eles próprios, pagam para que outros carreguem suas bandeiras.
Vergonha por ver a polícia, tanto gaúcha quanto catarinense, estarem atentas para defenderem os agressores! Há um vídeo que chega a ser escandaloso: um provocador agride, pula de um lado para outro, como se fora um macaco, e quando alguém do outro lado se aproxima em paz, ele corre para trás do batalhão da polícia, bem protegido como encomendado e pago. Neste vídeo um dos manifestantes chega a gritar para a polícia dizendo que ela deveria estar protegendo aqueles que estavam se manifestando em paz e não aos agressores. E dirige um bom “caralho!” aos policiais impávidos garantidos por suas armas e escudos… Quando juízes do auxílio moradia vão à TV defender que o Brasil quer um governo de leis, consideram que a polícia, agindo como agiu no sul, está dentro das suas funções legais, isto é, garantir a agressão, ainda que por interpostas pessoas, porque os ricos têm direito à agressão e são abençoados e apadrinhados pelo mesmo sistema que lhes dá auxílios vergonhosos.
Vergonha por saber que a mídia ignora a maioria, aqueles que acolheram Lula e sua caravana, para dar destaque ao que chama de “manifestação” contrária a Lula!!! Esconde a agressão, mostra-os pacíficos e transforma em milhares uns gatos pingados que afinal não há dinheiro suficiente para financiar milhares… Mente descaradamente para continuar a fazer o que vem fazendo nos últimos 8 anos: semeando o ódio e a cizânia entre os brasileiros.
Vergonha por ter perdido as esperanças que Lula tem para, como se diz, “dar e vender” ao povo brasileiro. Esperanças sem horizontes de concretude num mundo cada vez mais conturbado pela roubalheira do rentismo financeiro que vem produzindo miséria pelo planeta numa concentração de renda escandalosa. Até no Brasil da crise isso se mostra: segundo a revista Forbes, mais 34 brasileiros entraram para a lista dos ricos do mundo… enquanto, como disse Lula, muitos brasileiros não têm ovos para comer enquanto os ruralistas os jogam fora sobre os ônibus da caravana e sobre as pessoas, incluindo mulheres.
Vergonha por ver um relho batendo num homem, como se a escravidão tivesse voltado; vergonha por ver mulheres agredidas fisicamente; vergonha por ver a ignorância exposta; vergonha por ver gaúchos sacando revólveres e apontando para as pessoas (sob o olhar complacente e cúmplice da polícia!). Da agressão verbal para a agressão física – esta é a realidade mais crua que nos mostra esta passagem da esperança pelo sul do país.
Nada mais poderá ser como dantes: o chicote vai estrilar, o cassetete vai descer, as balas continuarão a matar inocentes e a Rede Globo, a polícia, o judiciário e os ricos que os financiam continuarão a aplaudir e a justificar tudo em nome da “pax romana” que querem impor e estão impondo: miséria e impostos!
por Cristina Batista de Araújo | mar 26, 2018 | Blog
Em muitos dos textos que escrevo, costumo fazer referência ao fato de que o cotidiano escolar poderia ser muito melhor explorado se sua dinamicidade institucional não fosse tomada apenas como uma preparação para a vida, mas sim, se ali se tornasse uma arena para a compreensão de importantes mudanças sociais ocorridas ao longo do século XX e que, ironicamente, orientam as ações para a denominada Escola do Século XXI (Tal expressão faz alusão ao pacto pelo movimento Educação para Todos, estabelecido a partir de duas conferências mundiais, convocadas pela Organização das Nações Unidas, realizadas em Jomtien/1990 e Dakar/2000).
É por essa razão que hoje pretendo sistematizar um pouco do que penso sobre essa possibilidade de escola como a própria experiência, sua possibilidade ética e estética.
Ao pensar em mudanças sociais, podemos mencionar que a mídia atingiu um desenvolvimento gigantesco que promoveu mudanças em nossa relação com a informação, e o que anteriormente era reservado para alguns e registrado especialmente em livros, agora pode ser acessado em diferentes lugares e é extraordinariamente abundante. Essa realidade desestabilizou, por exemplo, a função que a escola tinha de transmitir informações e valores, visto que agora isso é também realizado pela mídia e, muitas vezes, de forma mais eficaz. Diante disso, cabe nos perguntarmos que modificações deveriam ser introduzidas na escola, tendo em vista essa sociedade em mudança. Seria a mera incorporação das tecnologias de informação associada ao aumento da carga horária escolar, o desmembramento minucioso de conteúdos ou a especificação de sua dosagem?
Outra mudança de caráter mais profundo a se destacar é que a democracia se tornou, em alguma medida, uma forma desejável de governo e, em decorrência disso, vimos erigir a demanda pelo respeito aos direitos humanos e às liberdades básicas para todos, tais como a liberdade de expressão, de associação, de deslocamento, de crenças e religião. Mas escolas, que começaram a ser estabelecidas há cerca de cinco mil anos, especificamente dedicadas a transmitir às novas gerações o conhecimento anteriormente acumulado, foi uma invenção que ocorreu em sociedades como a egípcia, a mesopotâmica e a grega, consideradas de tipo escravo e, portanto, longe da democracia que se delineia atualmente. Só no decorrer do século XVII, iniciaram-se mudanças no sentido de estender a educação a todos, em sociedades muito diferentes nas quais se começa a falar sobre os direitos humanos e os direitos universais, que serão formulados explicitamente nas revoluções francesa e americana.
As mudanças vivenciadas na educação já assimilaram tantas características do funcionamento social que chegamos ao prolongamento da escolaridade como uma característica do nosso tempo: a escolaridade obrigatória significa permanecer nas escolas por mais horas e por mais anos, iniciando-se ainda o quanto antes, na Educação Infantil, anteriormente chamado período pré-escolar.
Mas quando penso, por exemplo, em uma educação democrática, acredito que esta deveria estar necessariamente relacionada a certos conteúdos e, sobretudo, a um modo de funcionamento das instituições escolares, porque a democracia não é um conjunto de conhecimentos, mas é antes de tudo uma prática. Muitas vezes, os conteúdos relacionados ao funcionamento das formas políticas, aparecem somente nas disciplinas referentes às ciências sociais, mas isso é insuficiente! Além disso, o modo como são desenvolvidos parece inadequado para a efetiva participação social. A participação em uma sociedade democrática como um membro responsável requer mudanças e renovações na organização da escola, bem como na mudança de papéis.
A escola, instituição social em que o estudante está inserido e ali permanece por horas, tem todas as características de outras instituições sociais e apresenta os mesmos conflitos semelhantes aos que nelas existem. Por que não começar a analisar o funcionamento da própria escola, refletir sobre o que acontece nela e os gêneros discursivos que ali circulam? Se na escola existem fenômenos semelhantes aos que existem nas instituições políticas, por que não estabelecer uma série de normas operacionais, construção de parâmetros para a tomada de decisões ou de arbitragem entre o corpo escolar?
Sem dúvida, quando esses problemas são transferidos para instâncias mais amplas da sociedade, eles são mais difíceis de entender. Por esta razão, é comum que muitos, dentro ou fora da escola, não compreendam a divisão de poderes necessária e simplifique a mobilização de recursos ao estabelecer suas opções e análises. Mas quando os problemas estão relacionados à própria experiência, e surgem como próprios do funcionamento escolar, é possível ver essas questões de maneira diferente e mais realista e, partindo dessa experiência, terá muito mais sentido ensinar sobre o funcionamento político e sobre a história, para ver como as formas de governo e de dominação mudam ou se rendem.
Comentários