Ao Heron, meu abraço de despedida

Li em algum lugar e há muito tempo que “sofrer é perder”.  Perder um sonho, perder a esperança, perder a aposta num futuro outro, perder um livro, perder um objeto amado, e, sobretudo, perder um ente querido.

Perdemos um amigo. Querido. Amado por todos nós. Agregador e generoso, em tempos bons e em tempos ruins, quando a vida nos dá golpes. Jamais nos deixou sem uma palavra! E mesmo quando não consultado, era capaz de antever possibilidades e compartilhá-la, sempre em benefício do interlocutor. Não para si, mas para os outros. Ajuda.

Foi tolhido quando chegou a hora que não deveria ser esta. Deixou-nos órfãos de sua presença, mas não de sua amizade que estará sempre conosco. Não como lembrança, mas como presença encorajadora para enfrentarmos um mundo que ficou menor sem sua presença física.

Conhecerá sim sua segunda morte, quando todos nós que o conhecemos também partirmos. Ao término da lembrança física, surgirá o que foi: monumento à generosidade e à amizade. E monumentos não desaparecem quando vivem no espírito das mulheres e dos homens. Quando o monumento é valor e não peça física. Heron não deixará de existir, porque o amor e a amizade e a generosidade continuarão a ser parte da humanidade, mesmo tempos difíceis e sem paz.

Os amigos todos sabemos: a Fátima e seus filhos Júnior e Gabi sofrem desmesuradamente, mas têm a tranquilidade do consolo de que o marido e pai permanecerá em seus corações e nos corações dos amigos próximos e distantes, e nos corações de tantos a quem ajudou e que sequer conhecemos.

Meu abraço, meu amigo. Agonizamos com você mas ressurgimos das águas cálidas do mar de Jurerê para honrar sua história.      

AS IMAGENS PARA A MULTIDÃO

Vivemos uma civilização no mundo da imagem. As câmeras e os holofotes brilhantes captam imagens e retratam um mundo exterior real – paisagens, pessoas, multidões, tragédias e crimes ao vivo, ruas, cidades, esportes, enfim, a vida humana em jogo pela produção, reprodução material da espécie humana. Imagens da vida de uma sociedade autenticamente “fluida”. Vivemos e constituímos – querendo ou não – o mundo visto e mostrado por meio de câmeras e holofotes brilhantes nas telas em terceira dimensão. Um entretenimento irresistível – TV e celulares. Um mundo real encenado. Até as cenas uma vez sigilosas e restritas à presença dos próprios atores e personagens dos Tribunais de Justiça, hoje são filmadas e projetadas ao vivo para o público assistente. Claro, sempre e só quando ao gosto e interesses da elite.

A encenação do julgamento de condenação do Lula, filmada ao vivo no palco do Tribunal Regional de Porto Alegre foi uma festa de imagens de manipulação de fatos ficcionais, festa para a qual a verdade dos fatos reais não foi convidada. E não teve lugar para a verdade. A manipulação dos fatos reais tem se constituído na expressão artística mais elevada dos magistrados – vestidos de togas, ternos e gravatas impecáveis, o signo do poder judiciário. Cada um da suprema trindade de magistrados falou até 60 minutos cada, numa narrativa verborrágica, e o que mais se ouvia: “só estou dizendo a verdade”. “O Lula foi o garantidor do esquema de corrupção”. “O Lula foi o fiador”. Assim, a imagem da sessão de condenação deveria parecer justa para a opinião pública, sessão para a qual a verdade não foi convidada.  Quer dizer, não teve lugar.

No dia seguinte da encenação condenatória, temos o espetáculo televisivo e midiático – as imagens do Lula condenado, criminoso, inelegível. Assim, presidente do Brasil? Nem pensar. Um horror. Agora é preciso liquidar o prestígio político do Lula. Aí vêm as imagens. Uma cabeça enorme de Lula. Só a cabeça, de frente levantada para traz, o papo e pescoço enrugados, barba branca toda arrepiada, de fios enrolados, o nariz enorme, de narinas abertas vistas de baixo, parecendo bocas de saída de tubos de esgoto, rosto enrugado, olhos bem abertos de homem assustado, a mão esquerda no queixo com dedos bem abertos e sem o dedo minguinho, em primeiro plano da cena.  Enfim, um rosto velho, acabado. Construção de uma imagem de quem não teria as mínimas condições de ser presidente do Brasil.

Na mesma perspectiva ideológica imagética, num jornal de grande prestígio, aparece uma mulher velha, loira, de cabelos despenteados, boca aberta, olhos assustados e escancarados, chorando pela condenação do Lula. Ao lado dela, outra mulher de rosto moreno, cabelos lindos bem penteados, rosto jovem, riso ridente, muito alegre, festejando a condenação. Assim será nas campanhas das eleições de 2018. Imagens na televisão para o público espectador assistente. Uma inculcação subliminar da ideologia dominante.

                                                         Cascavel, 31/01/2018                                                                 

Uma formação necessária?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em dezembro de 2017, definiu as áreas do conhecimento que devem integrar os currículos e propostas pedagógicas de todas as escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. A BNCC definiu, também, os conhecimentos, competências e habilidades para cada disciplina, considerando tais tópicos como básicos ao tratamento didático proposto para a educação. É preciso dizer, ainda, que tal seleção (con)forma o perfil dos alunos, fazendo da expectativa de aprendizagem um imperativo no processo de formação dos futuros cidadãos e trabalhadores,

A pergunta que reverbera em minhas reflexões é o que é currículo? E suspeito que não haja apenas uma resposta para isso.

Se entendermos o currículo como prática cultural e como um texto que vai sendo significado em diferentes práticas sociais, veremos que essa via educacional consiste em um conjunto de lutas político-discursivas que articulam diferentes demandas, incertezas e diferenças para definir um conhecimento legitimado e avaliado como aquele mais adequado para um projeto de sociedade.

Falamos de currículo em tempos de complexidade política, em relações de poder difusas, em estruturas descentradas, naquilo que alguns autores estão chamando de morte do sujeito, de desestabilização das instituições e de fim das utopias; portanto, é necessário questionar signos e símbolos como inovação, mudança curricular, qualidade da educação, conhecimento, boas práticas. É preciso problematizar tudo o que se fala sobre currículo: flexível, diversificado, dinâmico, criativo vs. comum, essencial, inclusivo, democrático. É preciso avaliar estes e tantos outros discursos que são produzidos socialmente sobre o que seja currículo e sobre seu caráter necessário. É preciso questionar a pretensão de construir identidades plenas (sujeito educado, trabalhador, profissional), pois estamos sempre construindo o que seja cada uma dessas coisas. Portanto, é preciso conectar o que seja a dimensão social, a dimensão econômica e a dimensão cultural na postulação de currículos.

A suposição de um sujeito centrado impossibilita a relação intersubjetiva com outro. A necessidade de se ter controle sobre um sujeito em formação leva a desconhecer que tipo de sujeito se está formando. Quanto mais planejamos objetivos, mais deixamos fora da escola a cultura, as diferenças. O currículo, ao buscar eficiência social, volta-se para o mercado e, nesse campo, não há como silenciar a ideologia em nome da funcionalidade. O currículo é o conhecimento selecionado em nome de um projeto de formação de sujeito.

A noção de verdade e de certeza influenciam a construção de um currículo e, sendo assim, o que ensinar? Que atos de poder legitimam o conhecimento?

Penso que não há consenso e nem aprendizagem plena, mas mesmo assim buscamos comunicação para construir acordos. E a educação é a busca da possibilidade de garantir acordos necessários e contingentes. Fazemos opções e negociamos com os sujeitos sociais que produzem currículo para, dessa forma, decidir o que seria adequado a um contexto limitado, tratando a ideia de lutas conjuntas de forma distinta.

Todavia, os acordos não são tão simples. A educação é atravessada por diferentes normativas, o mundo é bem mais complexo, e pensar em agenda conjunta é muito mais profundo. Mesmo diante de atos normativos e regulatórios, homologações e resoluções, ainda é possível pensar que lutamos. As lutas são distintas e por causas distintas, mas ainda assim é possível pensar que lutamos, porque não há apenas poderes localizados, estratégias preestabelecidas ou uma única forma de fazer. É preciso traçar as maneiras próprias de percorrer o cotidiano.

 

Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.

O que nos ensinou o judiciário?

Reza a versão original da canção SÓ SURUBINHA DE LEVE que faz sucesso nas redes sociais e será a “fina flor” do carnaval em que se tornou 2018:

Taca bebida

Depois taca a pica

E abandona na rua

(MC Diguinho)

Ah sim! O julgamento de Lula: tudo dentro do script elaborado bem longe de Curitiba. Apenas achei exagerada a babação de ovo do Dr. Angélico. Eminentes desembargadores poderiam ser mais discretos, mas para aparecer bem na fita, foram obrigados. As condições de produção dos discursos lhes impuseram tamanha lambança.   

O DIA “D” DO BRASIL

O DIA “D” DO BRASIL

                          José Kuiava

Hoje é o dia “D” do maior e do mais trágico ataque de julgamento político do Brasil – 24-01-2018 – julgamento a ser desferido pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, palco da nada “Santa Inquisição”. Dia e cenário em que o Lula será condenado sem crime, apenas como herege por não acreditar nas elites dominantes do Brasil, que não querem o Lula presidente de novo. Talvez, e com possibilidade muito remota, Lula será absolvido ou adiada a queima ao vivo na pilha de lenha em praça pública. O dia “D” no Brasil será ao avesso do sentido do Dia “D” da história mundial – 06 de junho de 1944. Lá, o dia “D” foi o início do processo que deu fim à Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil – hoje – o  dia “D”, será o início, o começo da tragédia política das eleições presidenciais de 2018 e o início das consequências sociais, políticas, educacionais, culturais para os próximos e trágicos anos para o povo brasileiro. Uma contradição dura. Uma luta, um confronto ideológico. O julgamento será ideológico, preferencial e não justo e imparcial. Outro golpe infestado e contaminado por interesses e privilégios das elites brasileiras contra a democracia e  contra a maioria dos brasileiros, que deseja o Lula na presidência do Brasil. Este é mais um golpe sujo e vergonhoso dos grupos dominantes contra a soberania popular, quer dizer, a democracia.

Neste cenário – palco da tragédia judicial – me vem a ideia do Lula partido ao meio – a exemplo do “Conde Partido ao Meio”, de Ítalo Calvino. E com ele (Lula) todos nós individualmente, coletivamente e o Brasil inteiro estamos partidos ao meio longitudinalmente de corpo e alma. A grande maioria do povo brasileiro – a soberania popular – está do lado ético, sadio, honesto e íntegro do Lula; a outra parte – a elite corrupta e corrompida das elites – está do lado dos  privilégios, lado dos crimes de apropriação  do patrimônio do Estado, dos bens comuns, de todos, que dizem que o Lula também praticou. Isso porque eles vem praticando a vida inteira e querem continuar praticando. Pelos interesses destas minorias, Lula será condenado, preso e acima de tudo deve ser impedido de ser candidato nas próximas eleições presidenciais.

Assim, a sentença será política e não judicial. A certeza é quase absoluta da condenação do Lula. As possibilidades da absolvição são remotas e mínimas. Se houver a absolvição, será ardilosa. E o ardil, a estratégia astuciosa dos políticos de centro direita – partidos aliados – será a imagem, a condição de Lula condenado por crimes (que não cometeu) e candidato a presidente. A justiça pode condenar Lula criminalmente, mas não tirar o direito da elegibilidade. Esta é uma arma estratégica camuflada, sigilosa. Uma armadilha ideológica. Já imaginaram nas campanhas políticas na mídia os candidatos opositores de Lula gritar: “como pode, um condenado, criminoso, que deveria estar na cadeia, ser candidato a presidente do Brasil? Como podem votar num candidato condenado por crimes de corrupção? É imoral votar em criminoso condenado”! E mais, dirão: “quem votar no Lula é contra o Brasil, é criminoso também”.

Vamos ficar de olho nesta gente? Aliás, o povo brasileiro precisa ficar de olhos abertos dia e noite.

                                                    Cascavel, 24/01/2018.

                                                           José Kuiava