A portaria do trabalho escravo

Com este governo, efetivamente não há descanso. O saco de maldades não tem fundo. E por isso jamais cessarão os espantos: enquanto Temer faz tremer, estaremos trêmulos. Mas Temer é apenas um boneco que custa caro, pelas propinas que cobra para executar o que o chamado “mercado” quer. E às vezes dá para desconfiar: nem este ente dirigido pela contabilidade do lucro é tão retrógrado. Os banqueiros e os investidores especulativos, que neles se escondem, sabem que com uma economia aos frangalhos, os lucros são apenas virtuais. Nem os bancos nem os “investidores” querem assumir as indústrias em falência – seus prédios, máquinas e equipamentos; também não querem para si os apartamentos financiados e não pagos, porque não terão o que fazer com eles – precisam vendê-los a outros, por leilão ou sem leilão, outros que paguem mesmo que seja por um ano e a roda do despejo e leilões recomece. Também não pretendem dirigir os tratores, máquinas colheitadeiras das granjas e das fazendas.

Sempre que acontecem austerocídios, ao estilo conduzido por Henrique Meirelles, sucessor de Joaquim Levy, também o “mercado” perde. Enquanto ele estiver contabilizando lucros, tudo bem. Mas quando devem entrar nos processos, judiciais ou não, de cobranças de dívidas, execuções de penhoras e hipotecas, o fluxo contínuo de registro de lucros estanca. Os valores vão para os “créditos em liquidação”, primeiro passo para a contabilidade das perdas. E isto também não interessa ao “mercado”, este ente que a mídia brasileira incensa e a que quer, a todo custo, se submeter.

Mas até a isso faz ouvidos moucos a ideologia neoliberal radical que nos assola. Serras, Meirelles, Levys e outros são incorrigíveis. Não conseguem pensar, estão embotados definitivamente.

E como este austerocídio continua, é preciso ir transferindo os prejuízos para outros. O prejuízo não pode ficar com as “classes produtoras”, os capitães da indústria e comércio nem com os gestores do agronegócio. Para fazer esta transferência de prejuízos é preciso avançar sobre os direitos conquistados ao longo da história (não só brasileira), desde que o absolutismo do rei e dos senhores em seus feudos teve que entregar anéis para não perder dedos, mãos e corpo inteiro. Uma caminhada e tanto! Desde João Sem Terra, impondo limites ao rei inglês até o já assinado, pelo neoliberalismo, estado de bem estar social: estes direitos se tornaram “excessivos” para a ganância contemporânea e pela roda do empurra o prejuízo para baixo…

Graças a esta roda-viva do empurra para baixo, o próprio Estado se declara ausente nas relações sociais no campo do trabalho: a Reforma Trabalhista foi feita para garantir o seu lado, o do patrão e, consequentemente, a elite. O combinado vale mais do que a lei… e o combinado é o que o empregador quer quando estamos em tempos de desemprego. Qualquer um sabe disso, mas mídia e governo não enxergam isso e seguem impávidos. E o pior congresso que já tivemos aprova tudo desde que a mão seja bem molhada pelo executivo.  A reforma trabalhista é lei, e o trabalhador pode ter expediente de até 12 horas diárias, ou ter trabalho intermitente, isto é, trabalhar e ganhar pelas horas trabalhadas segundo os interesses e horários definidos pelo empregador. Você consegue um emprego de 2 horas semanais, e ficará à disposição do empregador durante 40 horas da semana para atender a seu chamado. É da lei, e a partir de novembro começam as adaptações… e a porca torcerá o rabo!

Mas parte das “classes produtoras” ficaram de lado: não foram suficientemente abonadas pela Reforma Trabalhista. Para resolver isso, bastou uma simples portaria alterando as formas de fiscalização do trabalho escravo e a introdução de uma pequena passagem, assim como se fosse uma vírgula, nos modos de conceituação, fiscalização e autuação. A “vírgula” é a introdução de que “havendo liberdade de ir e vir”, não há trabalho escravo! Ora, todos sabemos que os trabalhadores submetidos a condições de “escravatura” tem a liberdade formal de “ir e vir” asseguradas até pelo patrão, desde que “pague a conta” que nunca chega ao fim e desde que cumpra obrigações outras que, a bel prazer, lhe são impostas. E vai mais longe a portaria: o fiscal tem que se fazer acompanhar pela polícia quando fizer seu trabalho! Uma autuação não “testemunhada” por um policial não terá mais valor. Que felicidade! O policial vai lá, vê bem a cara do freguês que reclama… depois, a mando do coronel, ele libertado do trabalho escravo, vai para a cadeia alegando-se qualquer razão: é para isso que a polícia estava lá, para garantir a ordem e a tranquilidade social. Por fim, a portaria também determina que a lista das empresas com trabalho escravo somente pode ser alterada duas vezes por ano, e sob o olhar atento do Ministro do Trabalho! Ou seja, a alteração existirá apenas para retirar nomes da “lista negra”.

O incrível desta portaria é que nem o Ministro do Trabalho quis assiná-la. Vem assinada pelo “coisa” e seu ministro da justiça. Mas outro ministro, este sim do agronegócio, vem a público para comemorar a portaria. Afinal, a reforma trabalhista introduz o regime de escravidão no meio urbano, mas as leis sobre o trabalho no meio rural estavam ainda desatualizadas. Era preciso atualizar, isto é, permitir o que a Reforma Trabalhista vai permitir na cidade.

A imprensa, sacanamente, seguindo, aliás, seu mestre Temer, aponta que as autuações marcavam até a falta de sabonete, esquecendo que num laudo de fiscalização, tudo deve ser anotado segundo um padrão pré-definido, como um protocolo médico. Apontando o secundário da autuação, querem imprensa e usurpador, o “coisa”, justificar as mudanças na portaria, mas não dizem quando falam dessas insignificâncias, o que efetivamente caracterizava na autuação o trabalho escravo a que estavam submetidos os trabalhadores.

E assim, com reformas e portarias, voltam a calma e a paz em todos os recantos do país: os “investidores especulativos” e os banqueiros ficam garantidos em seus lucros; as “classes produtoras” tem sobrevida transferindo o prejuízo para baixo, e os trabalhador, ora” os trabalhadores: que paguem o pato da FIESP e todos os demais patos necessários à alegria dos bem aquinhoados.

Ainda que a ministra Rosa Weber tenha concedido liminar (dia 24.10.17) suspendendo os efeitos das alterações até o julgamento do mérito, o fato é que a Portaria existe e foi elaborada para agradar a bancada ruralista no período da compra de votos para o arquivamento da segunda denúncia contra Temer. E dívidas que tais não podem ficar sem pagamento. O governo, logo após a decisão da ministra do STF, veio a público para dizer que a portaria não será modificada.  

No horizonte, mais um embate entre o poder civil da camarilha (que reúne o Congresso e o Executivo) e o judiciário que quer ter todo o poder para si mesmo!!! Afinal, a justiça pode ser injusta quando quer, justa quando quer. Tudo depende do momento num estado de exceção, com uma ditadura do judiciário acolitada pela polícia.

A sala de aula em imagens

A sala de aula em imagens

Jean Marc Cotê foi um ilustrador francês que viveu no século XIX. Durante a década de 1890, ele criou várias imagens que retrataram sua visão de futuro e suas ilustrações retratavam os anos 2000. As previsões de Cotê são muito interessantes e podemos dizer que ele não passou tão longe do que vemos hoje em dia. A ilustração que mais me chama a atenção é a ilustração abaixo, criada em 1899:

blog cris

A escola do ano 2000 é imaginada como um prolongamento da escola então existente e Cotê vislumbrou uma sala de aula em que os jovens recebem o conhecimento, que lhes é transmitido pelo professor, através de uma nova tecnologia. Os alunos estão sentados em fila, olhando para frente. Mãos cruzadas em cima da mesa. Eles têm capacetes de metal, ligados por cabos elétricos a uma máquina em que o professor coloca os livros.

Foi assim que o ilustrador Jean Marc Cotê imaginou e retratou a escola do ano 2000, num postal que era parte de uma série produzida para a Exposição Universal de Paris, em 1900. A iluminura abaixo, pintada por Laurentius de Voltolina no século XIV, retrata Henrique da Alemanha ministrando aulas na Universidade de Bolonha, mas que poderia retratar uma sala de aula dos dias de hoje:

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A escola parece ter adotado o estrado e o pulpito da igreja, e o professor, à semelhança do padre, começou a transmitir, expositivamente, a informação aos alunos, que a recebem de uma forma passiva. Ensina-se o grupo como todo, o que, muitas vezes, leva a que alguns não compreendam o que está sendo ensinado. Durante muito tempo, mesmo nas igrejas, as pessoas repetiam as orações em latim sem saber o que estavam dizendo. E hoje, o que acontece com os alunos?

O que as ilustrações têm de semelhante com o nosso tempo? Como lidamos com a possibilidade de acesso à informação por meio de aparatos tecnológicos? Quando deixaremos de tentar fazer da escola uma fábrica de alunos? Que tal tentarmos fazer o exercício de imaginarmos como será uma sala de aula daqui a 100 anos?

 

 Cristina de Araujo escreve neste blog as segundas-feiras.

De Elika Takimoto, blog Minha Vida é um Blog Aberto

De Elika Takimoto, blog Minha Vida é um Blog Aberto

 

Tomo a liberdade de publicar neste blog crônica de Elika Takimoto. Está espetacular!!! Para quem quiser seguir o blog da autora: Minha Vida é um Blog Aberto. 

 

 

 

Sobre direitos humanos e a nova prova do Enem

por elikatakimoto

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Desde que li a notícia de que a justiça suspendeu a regra de zerar a redação do Enem para quem desrespeitar os direitos humanos, prevejo algumas questões.

Tema da redação: Os mimimi das femizazi, dos gays e dos negros.

Tema alternativo: O crescimento do homossexualismo no século 21 e como isso denigre a imagem da família tradicional brasileira.

Biologia:

Um casal formado por um homem macho super hétero (XY) e uma mulher recatada e do lar (XX) fazem amor na posição papai-mamãe e forma uma família tradicional brasileira. Que características eles passarão para seus herdeiros?

(a) integridade
(b) amor à pátria
(c) temor a Deus
(d) horror a museus
(e) todas as anteriores

Uma mulher tem olhos verdes (genótipo aa) e o estuprador negro tem olhos castanhos escuros (genótipos AA ou Aa). Qual poderá ser a cor dos olhos do filho que obrigatoriamente e merecidamente ela irá ter por ter andado de saia curta?

Química

Formada pelos elementos Carbono, Hidrogênio e Oxigênio, o Tetraidrocanabinol (C21H30O2) é a principal substância encontrada na maconha. Marque outro elemento ligado à maconha:

(a) artista que mama na lei Rouanet
(b) professor de história
(c) quem vai a museus
(d) petista

Física

Uma feminista de saia curta e perna cabeluda atravessa a Av. Nossa Senhora de Copacabana a 3,2km/h quando choca seu rosto sem maquiagem em um poste. Calcule:

a) O tempo que ele vai levar para parar de mimimi e aprender a ser mulher delicada.

b) O espaço percorrido até encontrar um macho que a coloque nos eixos.

Matemática

Considerando que a área do território brasileiro é de aproximadamente 8 515 767 km² Calcule:

a) a quantidade de gays, sapatonas e transexuais deitados após serem fuzilados que servem como limite dessa área.

b) quantos artistas pelados são necessários para implantar o comunismo em todo o território nacional.

Português

Leia o trecho abaixo de uma música feita por um comunista artista vagabundo safado que ganha milhões da Lei Rouanet:

“Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa.”

O autor desta canção:

(a) tem que ir para Cuba.
(b) gosta de museu.
(c) merece fuzilamento.
(d) é pedófilo.
(e) todas as anteriores.

 
elikatakimoto | 28/10/2017 às 4:47 pm | Categorias: Crônicas | URL: https://wp.me/p3xRwY-2oH
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Domingo com Pablo Neruda

De uma viagem

De uma viagem volto ao mesmo ponto

por quê? 

Por que não volto aonde antes vivi,

mas, países,continentes, ilhas,

onde tive e estive?

Por que será este lugar a fronteira

que me elegeu,que tem este recindo

senão um látego de ar vertical

sobre meu rosto, e umas flores negras

que o longo inverno morde e despedaça?

Ai, que me assinalam:

– este é o preguiçoso,

o senhor enferrujado,

daqui não se moveu,

deste duro recinto

foi ficando imóvel

até que endureceram seus olhos

e cresceu-lhe uma hera no olhar.

 

 

Foi sangrenta

Foi sangrenta toda terra do homem.

TEmpo, edificações, rotas, chuva,

apagam as constelações do crime,

o certo é que um planeta tão pequeno

foi mil vezes coberto de sangue,

guerra ou vingança, armadilha ou batalha,

caíram homens, foram devorados,

depois o esquecimento foi limpando

cada metro quadrado alguma vez

um vago monumento mentiroso,

às vezes uma clásula de bronze,

depois conversações, nascimentos,

municipalidades, e o esquecimento.

Que artes temos para extermínio

e que ciência para extirpar lembranças!

Está florido o que foi sangrento.

Preparar-se, rapazes,

para outra vez matar, morrer de novo,

e cobrir com flores o sangue.

(Últimos poemas (O Mar e os Sinos). Porto Alegre : L&PM Pocket, 2002)

Textos sobre textos: Kadish. Por uma criança não nascida

Prêmio Nobel de 2002, o escritor húngaro Imre Kertész, neste romance elabora um longo solilóquio do personagem, nominado B., em que ruminações e rememorações emergem desde uma pergunta de outro, o Doutor Oblath, se ele tinha filhos.

“Não”, a resposta dada abre este romance e é seu fio condutor. Se o paradoxo passa, este é um monólogo atravessado por três diálogos fundamentais: o diálogo relatado como “real” com o Doutor Oblath; o diálogo com o filho não gerado e não nascido e, por fim, o diálogo com sua ex-mulher, “a bela judia” que se aproximou de sua mesa de bar para discutir algo que havia escrito ou dito.

Se o “Não” é uma resposta, suas razões vão aparecendo e se impondo. A recusa de ter filhos (Teu não-ser visto como liquidação radical e necessária do meu ser) funda-se no que é inescapável para qualquer eu. No caso, filho de judeus, era-lhe impossível não ser judeu. E isto define-lhe um destino. A narração deste destino, sem qualquer ordem cronológica, constituiu o “enredo” deste diálogo/monólogo, em que a voz do outro aparece reportada mas que se impõe como a voz que interroga e faz falar a personagem: o outro obriga!

Vasculhemos três focos que percorrem todo o livro:

  1. É possível ter filhos depois de Auschwitz?  Sobrevivente do campo de concentração em que foi confinado pelo simples fato de ser judeu, presenciando as atrocidades inomináveis, num tempo de “esclerose dos sentimentos” (esclerose que o sobrevivente receia incorporar em si), a questão posta para gerar um filho é saber que ele será judeu! Nas reflexões sobre o campo, recuperando conversas com outros sobreviventes, cada um dizendo de que campo provém, Mauthausen, Donbogen, Resck, Sibéria, Ravensbruck, Fö utca, Andássy, út 60 “os nomes das aldeias de deportação, as prisões após 1956, Buchenwald, Kistarcsa e eu receava chegar a minha vez, quando felizmente alguém me antecedeu: “Auschwitz” disse alguém em modesta, porém firme entonação de vencedor, e as pessoas assentiram: “Imbatível” […] “Não há explicação para Auschvitz”.

Nas reflexões que se seguem, além de apontar para a falsidade da frase, pois para o que há, há sempre uma explicação […] que Auschvitz seria o produto de forças irracionais não apreensíveis pela razão, […] todas as ações deixam-se derivar como uma fórmula matemática; derivadas de algum interesse, da ganância, da preguiça, da cobiça de prazer e de poder, da covardia, da satisfação de um ou outro instinto e, se de nada além disso, então de algum delírio da paranoia, da doença maníaco-depressiva, da piromania, do sadismo, do assassinato compulsivo, do masoquismo, ou megalomania demiúrgica ou outras megalomanias, da necrofilia, de alguma entre as tantas perversidades que conheço, ou talvez de todas ao mesmo tempo, porém, eu poderia ter dito, tenham agora bastante atenção, pois o realmente irracional e o efetivamente inexplicável não é o mal, é o Bem.

As contínuas reflexões sobre Auschwitz, de um sobrevivente, que se atendesse ao que lhe propôs a então mulher, hoje ex-mulher, ter um filho e a resposta pronta “Não” se justifica. Depois de barbárie, o Bem se torna inexplicável porque resulta do Amor, e a falta do Amor reduz a humanidade do homem, e o torna o nascedouro da esclerose dos sentimentos.

  1. 2.       O sentimento de ser estranho

Pertencer a algo: uma religião, uma sociedade, uma comunidade. Não ser estranho: este o Dasein de ser judeu. Paradoxalmente: ao mesmo tempo que fechados em seu mundo próprio, e por isso mesmo de uma pertença grupal fortíssima por nascença, por destino, os judeus são sempre estranhos onde estiverem. … com o exílio de uma sociedade não se torna, automaticamente, membro de uma outra sociedade. O judeu que se exila continuará sempre judeu. E o totalitarismo sempre pode voltar e se voltar contra o judeu: … vivo porém com o sentimento de que os alemães podem voltar a qualquer momento, e se atribuo um determinado sentido simbólico a essa concepção ou modo de vida, ou como eu possa chamar, logo isso parece menos absurdo, pois é real e verdadeiro, no sentido simbólico é verdade, os alemães podem voltar a qualquer momento, a morte é um mestre da Alemanha, seu olho é azul, ele pode vir a qualquer momento, ele lhe encontra, onde quer que você esteja ele lhe encontra.

Se este sentimento de estranheza, de exílio, está entranhado como passado, quando tomado pelo amor, confessa a personagem em conversa com sua mulher, este amor somente pode advir do esquecimento, por um momento, do passado, do peso do tempo. Nietzsche é invocado: Há um grau de insônia, de ruminar do passado, de sentidos históricos junto ao qual o vivo é prejudicado e por fim perece, seja este vivo um homem ou um povo ou uma cultura […] quem não pode se instalar no limiar do momento, esquecendo todos os passados, quem não pode ficar em um ponto como uma deusa da vitória sem vertigem e medo […] esse nunca saberá o que é a felicidade, e pior: nunca fará algo que faça outros felizes.

Esta invocação do momento, da paixão e do amor, ou seja, do êxtase, produz felicidade. E a felicidade torna o homem, confessa a personagem, improdutivo. Por isso, é preciso afastar a felicidade para que a produção não pare jamais.

  1. 3.       O internato e a autoridade paterna

São antológicas as páginas em que a personagem narra seu tempo de internato, em que entra ainda criança, para ficar até ao fim da adolescência. Neste espaço e neste tempo viveu num mundo anímico: a onipresença do Ser e aparecimento do diretor, que tudo via, produz o efeito desejado, já que perante o pai e perante Deus somos sempre culpados, da crença na onipotência do pai (o diretor) ou de Deus que conhecia meus pensamentos já no instante de sua formação.  Ao viver cercado de tabus, seus poderes chegavam à materialidade da ditadura pedagógica em todos os seus rituais. O exemplo que narra é da expulsão de um colega de dezessete anos que, fechado num quartinho existente no dormitório comum, fazia amor com uma empregada jovem. Flagrados, foram retirados do quarto ainda nus. E a expulsão da jovem se deu de imediato, mas a expulsão do colega havia que preencher o ritual público da execração do pecado. O escândalo da castração pública que, para nos intimidar, acontecia sob nossa colaboração, isto é, nós colaborávamos para nossa intimidação quando castrava-se um de nossos colegas.

Com um ritual como este, ao castrar um pelo castigo, castra-se a todos. Diante da autoridade do pai: Neurose e violência como formas exclusivas, sistematicamente formadas da relação, adaptação como possibilidade única de sobrevivência, obediência, como práxis diária, delírio como resultado final.

Quando terminei de ler Kadish. Por uma criança não nascida, visitei a Estante Virtual para comprar todos os livros de Imre Kertész disponíveis. Aguardo a chegada dos livros para voltar a ele.