AS DECISÕES SÃO MACROECONÔMICAS, O SOFRIMENTO É INDIVIDUAL

Recém retornados de um tempo em que ficamos mimando as netas, estamos voltando à realidade das ruas de nossa cidade.  Com o que é bom, a gente se acostuma com muita rapidez. E a Dinamarca nos oferece, em primeiro lugar, a filha e as netas (com o genro de permeio, é claro!). Mas também nos oferece esta tranquilidade de andar pelas ruas à noite sem olhar para os lados, sem medo, sem sobressaltos. E considerem que o governo dinamarquês atual é de direita! Mas as conquistas sociais estão tão enraizadas na cultura dinamarquesa que nem se sonha em jogá-las na cesta do lixo como pretende fazer a direita brasileira.

Pois começamos a caminhas pelas ruas da nossa cidade. E eis que nos deparamos com uma diferença enorme entre os 90 dias anteriores à viagem e agora: há muita gente vivendo na rua! E não como antes: estão com colchões, com grandes sacolões com sua “mudança”. São sem-tetos recentes. E numa cidade rica como é Campinas.

Particularmente, lembrei-me de uma conversa com amigos na Alemanha quando estive por lá como professor visitante num programa de doutorado em educação. Conversando com uma colega que conhece muito bem o Brasil e a América Latina, acabei extrapolando e perguntando como foi possível o nazismo na Alemanha sem que a população se revoltasse com os campos de concentração, com as perseguições a judeus, comunistas, negros, deficientes, gays! Embora já tivesse visto o filme A Onda, não conseguia internalizar os fatos que me pareciam demasiadamente crueis.

Pois tive minha resposta, e ela veio na forma de uma pergunta: como os brasileiros não se revoltam vendo tanta gente desabrigada, vivendo nas ruas e dependendo da caridade alheia? Disse-me a colega: vocês naturalizaram a miséria, a exploração! Enxergam-na, mas não a percebem. Com os alemães, num regime de censura, aconteceu o mesmo: a naturalização com que vocês convivem cotidianamente.

Fiquei sem resposta! Estrangeiro, só tinha uma saída: reconhecer nossa disciplicência,  nossa mesquinhez, nossa inapetência para a revolta!

Pois agora não consigo mais, sem entrar em crise emocional e mental, ver pessoas na rua! Ontem à noite ainda tive que assistir o espetáculo deprimente de uma fila em frente a uma “caravan” com propaganda do PSDB, o partido mais à direita do Brasil, servindo comida aos moradores de rua e a quem chegasse!!! Estamos nos últimos dias da campanha eleitoral para a prefeitura de uma das mais ricas cidades do país!

As marquises estão povoadas! O largo em frente à catedral de Campinas está povoado! E certamente o fenômeno não é apenas da minha cidade. Ficamos os dois recém retornados sem saber como nos comportarmos! E a tristeza abateu-se sobre nós e estamos com dificuldades para retornarmos à superfície da tranquilidade que naturaliza a exploração, a miséria em nome de uma política de decisões macroeconômicas.

Quando tomei conhecimento da palestra proferida pelo economista Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-ministro das Comunicações de FHC, aquele mesmo do “beirando à irresponsabilidade” no benefício a Daniel Dantes na privatização das teles, ex-professor da Unicamp e hoje dono da Quest Investimentos), palestra esta proferida para os altos executivos de uma estatal do Paraná, governado por Beto Richa (PSDB), em janeiro de 2014, fiquei simplesmente estarrecido com a proposta apresentada pelo prócer neoliberal.

Defendia ele que se encerrava um ciclo. E que o novo ciclo a ser implementado (no novo governo que deveria ser eleito em 2014) deveria aumentar a taxa de desemprego para retirar dos ombros dos empresários a insuportável carga que permitia aos trabalhadores negociarem aumentos reais de salários porque tinham empregos disponíveis. Era necessário desafogar o mercado de trabalho. Também defendia o guru dos neoliberais que o novo governo deveria adotar “uma política menos agressiva de aumento real do salário mínimo”.

Pois temos o governo neoliberal desejado, que chegou ao poder não nas eleições de 2014, mas no golpe de 2016. E as políticas macroeconômicas – infelizmente iniciadas no primeiro ano do segundo mandato de Dilma – estão sendo implementadas a galope! E o resultado das decisões na macroeconomia está sendo pago individualmente pelas pessoas que hoje habitam as ruas de nossas cidades!

No futuro breve, aquilo que foi apenas um cartaz na Praça do Sol na Espanha, se tornará uma realidade brasileira. O cartaz dizia: ‘SEM EMPREGO, SEM TETO, SEM MEDO”. Quando o “sem medo” chegar, talvez os gestores de decisões macroeconômicas venham a compreender os efeitos do que pregam e executam, como vieram a compreender isso os membros da troika europeia – a Comissão  Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI – depois do BREXIT: é preciso dar atenção às políticas sociais. Por aqui, estamos ainda na fase de caçar e extirpar do orçamento toda política social. Os efeitos já começaram a aparecer. Logo, alguns dos moradores de rua estarão nas manifestações com o cartaz espanhol, isto quando perderem o medo (e aumentarem o medo dos moradores dos feudos condominiais).

Para que na história não tenhamos que nos envergonhar como se envergonharam os alemães terminado o ciclo nazista, é preciso que resistamos e não naturalizemos a presença da miséria nas ruas de nossas cidades.

SEM AUMENTO, APARECE UM TROPEÇO NA DEMOCRACIA

Todo mundo sabe – e não adianta apostar na pouca memória, porque os fatos são extremamente recentes – que Lewandowski havia negociado um aumento absurdo para o judiciário com o interino Michel Temer.

Depois disso presidiu as sessões do Senado que não julgaram se havia ou não crime de responsabilidade. E a presidência da sessão jamais chamou atenção dos senadores para um julgamento de conteúdo! Apenas se manteve como maestro do rito para que se chegasse ao final com que já se comprometera. O preço já estava definido e já tramitava no Congresso Nacional: o aumento de mais de 40% para os magistrados com todos os efeitos em cascata que representava tal aumento.

Os governadores gritaram (afinal, quem paga os juízes são os Estados, exceto os das Varas Federais). O PSDB estrilou porque quer ajuste fiscal: precisa pagar sua parte do golpe para o rentismo. Há que economizar para sobrar mais para os pobres bancos cujos lucros aumentam vertiginosamente apesar da crise econômica que estamos vivendo, uma crise internacional provocada por estes mesmos bancos!

Acuado, Michel Temer roeu a corda e se manifestou contrário ao aumento negociado com Lewandowski! Afinal, o silêncio olímpico do STF já tinha cumprido seu papel. Tornava-se descartável, como se descartou Eduardo Cunha. Afinal, um Supremo que se amedronta diante das ilegalidades de um juiz de primeira instância; um Supremo que tem em seu “quadro” um ministro que não esconde que age partidariamente; um Supremo que se vê acuado em suas decisões – lembremos da decisão de Dias Toffoli, o acólito de Gilmar Mentes, reconduzindo Ricardo Melo à EBC 14 dias depois de seu afastamento assinado por Michel Temer, num ato de intervenção na Empresa Brasileira de Comunicação e num gesto contra a liberdade de expressão.

Pois Dias Toffoli foi parar nas capas da execrável revista semanal que não faz jornalismo, apenas suja a imprensa brasileira já de per si tão abjeta. E foi para as páginas da denúncia gratuita não porque os editores da revista sejam analfabetos, foi porque assim o queria a força-tarefa da operação conduzida pelos interesses das empresas norte-americanas no pré-sal e no setor de construções de infraestrutura. Não é Moro que a conduz; ele é conduzido e prazeirosamente conduzido.

Agora em aula na Faculdade de Direito da USP, eis que o ministro Lewandowski afirma: “Nesse impeachment que todos assistiram e devem ter a sua opinião sobre ele. Mas encerra exatamente um ciclo, daqueles aos quais eu me referia, a cada 25, 30 anos no Brasil, nós temos um tropeço na nossa democracia. Lamentável. Quem sabe vocês, jovens, conseguem mudar o rumo da história“.

Pois agora, sem o aumento negociado para o judiciário, eis que o Senhor Ministro lamenta o “tropeço na nossa democracia”. Tropeço na democracia? A este se seguem em ordem lógica e consistente outros tropeços, como este da rejeição do aumento do judiciário (justo, justíssimo, pois quem deve precisa pagar); da MP do ensino médio; da proibição por MP de aumento de alugueis dos ricos que ocupam terrenos paradisíacos nas praias brasileiras independemente de estarem até 1000% defasados; da definição por 20 anos de atraso na democratização do país. São tropeços. 

Lamentamos nós pelos tropeços, senhor ministro. Seja bem vindo aos lamentos pelos tropeços praticados pelo golpe na democracia.

TEXTOS SOBRE TEXTOS: GOLPE 16

 livro Golpe 16 (São Paulo : Edições Fórum, 2016, 224p.) foi editado e publicado antes do afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff. Organizado nos meses que se seguiram ao 12 de maio de 2016, quando do afastamento provisório da presidente e começo do mandato do golpista Michel Temer como interino prevendo as forças políticas que constituíram uma maioria ocasional, desde sempre, que este afastamento se tornaria definitivo independentemente de haver ou não crime de responsabilidade, este volume se tornará histórico por duas razões: primeiro porque é documento com um conjunto de trabalhos elaborados enquanto aconteciam os fatos; segundo por sua abrangência passando pelos temas fundamentais que levaram ao golpe e à imposição ao país de uma política subalterna de cunho neoliberal.

O Golpe 16 abre com um prefácio de Luiz Inácio Lula da Silva, o político mais perseguido e caça desejada pelas forças que se congregaram para o encerramento do ciclo de políticas de integração social: a elite, os partidos políticos de direita, a imprensa tradicional, as polícias militares (federal e estaduais), o ministério público e o silêncio olímpico do judiciário a propósito dos desmandos e ilegalidades tanto na condução de uma suposta guerra à corrupção (a Lava Jato) quanto nos julgamentos realizados pela Câmara e pelo Senado.

Renato Rovai, organizador do volume, editor da Revista Fórum, blogueiro habituado a escrever enquanto as coisas acontecem, demostra que um golpe não é, um golpe vai sendo… E retoma essa história a partir das eleições de 2010, eleições em que o PMDB se tornou aliado circunstancial do PT indicando Michel Temer como candidato a vice-presidente. José Serra, o oponente, sabia que não poderia discutir os projetos de país que se contrapunham naquelas eleições e “deixou de lado qualquer tipo de escrúpulos democráticos em nome de seu sonho presidencial”. E a candidatura Dilma/Temer foi engolida pela estratégia da elite: em vez de continuar a discutir os projetos, “saiu desfilando com padres e pastores retrógrados assumindo compromissos neste campo”. Em seis “capítulos” desta história recente, Rovai mostra como a direita se articulou sem deixar de apontar para descuidos políticos cometidos pelo campo progressista. Ressalto aqui um aspecto fundamental: a proposta de desenvolvimento econômico lastreada na produção e não no consumo (como fora o ciclo imediatamente anterior) levou o governo à redução dos juros que chegaram à taxa de 7,25% em 2011.

Acontece que o chamado “setor produtivo” (a FIESP em particular) já não professava mais um capitalismo de produção, mas se aliara ao financismo e se tornara rentista. Começou a grande oposição da elite ao governo Dilma que, no começo do segundo mandato, tentou recuperar-se no setor aplicando uma política de reajuste fiscal para beneficiar precisamente o rentismo. Já era tarde. O golpe já avançara muito além do que imaginava todo governo, com Michel Temer articulando abertamente contra a presidenta.

Seguem-se 22 textos, em sua maioria textos curtos, mas extremamente densos, que passam pelas principais temáticas que se encorpam necessariamente numa compreensão do golpe que se processou e se processa. Listo apenas estes temas, remetendo o leitor à apresentação mais completa disponível na revista Capoeira (http://www.capoeirahumanidadeseletras.com.br/ojs-2.4.5/index.php/capoeira/article/view/49/55 ) ou diretamente ao livro organizado por Renato Rovai. Eis os temas, na ordem em que aparecem tratados no livro e seus respetivos autores: A disputa nas redes sociais (Adriana Delorenzo), a resistência no blogostera (Altamiro Borges), a trincheira no parlamento (Bia Barbosa), o ódio como discurso político (Conceição Oliveira), o machismo (Cynara Menezes), o racismo (Dennis de Oliveira), os vazamentos (Eduardo Guimarães), a classe média e o senso comum (Fernando Brito), o conservadorismo no mundo (Gilberto Maringoni), JN, o jornal do golpe (Glauco Faria), os movimentos de ocupação (Ivana Bentes), os preconceitos – o machismo (Lola Aronovich), as manipulações da Globo (Luiz Carlos Azenha), a criminalização dos movimentos sociais (Marco Weissheimer), o fator geopolítico (Miguel do Rosário), o PIG e Cunha (Paulo Henrique Amorim), o jornalismo de guerra (Paulo Nogueira), os princípios do golpe (Paulo Salvador), a liberdade de expressão (Renata Mielli), a voz de Lacerda no golpe (Rodrigo Vianna), a mobilização do senso comum (Sérgio Amadeu da Silveira), a “República de Curitiba” (Tarso Cabral Violin).

Finaliza o livro a entrevista concedida por Dilma Rousseff a Maíra Streit e Renato Rovai, realizado em 2 de agosto de 2016.

Pelo nome dos autores e pelos temas desenvolvidos, tentando abarcar os diversos ângulos com que precisamos entender o que ocorreu e o que está ocorrendo, podemos aquilatar o valor histórico deste trabalho de edição.

Estamos agora vivendo o golpe que vai sendo diariamente, o golpe de 2016, não mais o livro, mas uma realidade política inarredável e com a qual teremos que aprender a conviver e contra a qual teremos que lutar, pois ela representa um retrocesso social na construção de uma nação brasileira com história e futuro.

É muito triste estar aqui e viver este momento de exceção

Uma das principais reivindicações da população tem sido, ao longo dos últimos anos, o aumento da segurança. Acabo de retornar da Dinamarca, onde ainda há os resquícios do Estado de Bem Estar Social. Por lá a gente anda à note pelas ruas sem qualquer preocupação! Ainda, porque a globalização tende a universalizar a miséria, e a miséria leva ao desespero, e o desespero ao crime. Algo sempre me chamou atenção nas ruas da pequena Roskilde, na grande Copenhagen: as pessoas deixam na rua suas bicicletas (por lá a bicicleta é um meio de transporte generalizado e há ciclovias sem que a imprensa e o ministério público tente desativá-las como em São Paulo). Bicicletas não são baratas e giram em torno de uns 3 a 6 mil kroners, equivalente mais ou menos a 1.500 ou 3.000 reais. Pois lá dá para deixar a bicicleta na rua que ninguém a rouba.

Pois aqui havia uma insegurança quase absoluta. Ninguém sai para as ruas à noite, a não ser em grupo. Andar a pé em nossas grandes cidades é dar sorte ao azar. Era desta insegurança que fala a população quando pedia mais policiamento, mais segurança.

Pois o que tivemos como resposta foi outra insegurança: a insegurança jurídica. Desde que se instalaram no país Tribunais de Exceção, reconhecidos como tais inclusive pelos tribunais superiores que deveriam fiscalizar as ações e decisões de juízes singulares, não há qualquer segurança jurídica no país.

Teori Zavacki reconhece a ilegalidade de ações de Sérgio Moro. Este pede desculpas e tudo está resolvido. Não há penalidade a ilegalidades. Gostaria de saber se Moro aceitaria um pedido de desculpa de um doleiro qualquer que não assine acordo de delação premiada!!! Mas se um pedido de desculpas inocenta o juiz, por que não inocenta um cidadão? Porque são dois pesos e duas medidas.

Num país onde os tribunais superiores têm medo – estou falando em medo mesmo, não é engano – de um juiz de primeira instância associado à mídia, a insegurança do funcionamento da justiça torna-se visível a olho nu!

E ela se espalha. Uma pequena nota publicada na Coluna do Estadão (espécie de cópia da FSP que fez o jornal da ultradireita brasileira), dá conta de que um dos membros do TCU afirmou (está entre aspas, logo deve ser discurso direto(): “Ele [Guido Mantega] pode até estar certo, mas só de ter sido preso pelo juiz Sérgio Moro está errado”.

Isto significa que um sujeito pode estar certo (dizer pode não é dizer está certo), mas se o juiz Sérgio Moro quer que ele esteja errado, ele passa a estar errado. E notem: o TCU não é um tribunal do sistema judiciário, mas um tribunal de controle do Executivo. Ou seja, a insegurança se espraia por todos os órgãos e a perseguição pode instalar-se a qualquer momento contra qualquer um. Que o diga o ministro Dias Toffoli, acólito de Gilmar Mendes!!! Se uma autoridade tomar uma decisão que não agrade alguém da força-tarefa da Lava Jato, está perdida. Vai para a capa de execrável revista semanal, como denunciado.

Não sou pelo encerramento da Lava Jato. Há que combater a corrupção. Mas toda decisão arbitrária, autoritária e o conjunto de ações ilegais praticadas devem ser corrigidas em qualquer lugar. Assim como ela quer a correção da política combatendo a corrupção, não pode ela mesma se corromper com seletividade na investigação, definição prévia do criminoso para depois correr atrás do crime, divulgação de informações sigilosas, escutas telefônicas ilegais, etc. etc.

Tal como as coisas correm hoje neste país, a insegurança é total e em todos os campos! O cidadão não pode recorrer à polícia que pode ainda levar uma bordoada; não pode recorrer à justiça pois esta está somente preocupada com “aquilo” que todos sabemos o que é; não pode contar com órgãos de controle do executivo, porque mostrou o TCU que não tem coluna vertebral própria e somente fica em pé com âncoras fornecidas por Sérgio Moro.

Não se creia, no entanto, que se trata de uma concentração de poder nas mãos de um homem só!!! Ele está muito bem ancorado – suas viagens constantes para receber instruções da matriz o confirmam. A elite o endeusa. A classe média que se pensa elite porque tem algum dinheiro e algum poder de compra o venera. Logo, com a força dos meios massivos de comunicação, a classe baixa o tornará o salvador da pátria, um pai para os pobres… e o elegerá presidente achando que sua força extrema é própria, advém de suas próprias qualidades, de suas convicções, de seu estudo do direito. Não, a super força de Moro vem de onde emana o poder – da elite econômica, esteja ela onde estiver e da perplexidade e espanto de todos nós!  

E olhem bem que defendo que todos os que “cometeram maus feitos”, como dizia uma presidenta eleita e recém defenestrada do poder por um golpe, devem pagar pelo que fizeram, sejam eles do partido que forem (até do PSDB, o lugar dos “homens honrados”).

Por fim, é muito triste estar aqui e viver este momento brasileiro.

Ensino médio: Medida Provisória de um governo provisório

No “novo ensino médio” saudado como mais atraente para os estudantes e aplaudido pelos veículos de comunicação golpistas e bajuladores, há uma paradoxal oferta de recursos para escolas (e para os estados que as sustentam) desde que entrem no programa de tempo integral.

Trata-se de uma nova forma de relacionamento entre a União e os entes federados (no caso, os estados porque pouquíssimos municípios mantêm o nível de ensino médio). Depois das benesses das negociações das dívidas, deixando para depois uns parcos 50 bilhões, agora o governo federal pretende que os estados implementem a reforma de ensino médio, com as escolas oferecendo os tais aprofundamentos queiram ou não. Nesta nova relação de constante cordialidade, por quatro anos contarão as escolas com recursos federais.

Mas há um problema complementar: a MP é clara quanto a isso, o Ministro da Educação liberará recursos à medida das disponibilidades orçamentárias. Considero este governo provisório porque o Gilmar Mentes já prometeu julgamento da ação do PSDB pedindo a cassação da chapa Dilma/Temer para 2017, e Serra está assanhadíssimo para ser eleito indiretamente presidente. Serra sabe que não ganhará eleições diretas, mas uma eleição indireta vem a calhar para seu sonho presidencial. Poderá negociá-la, a depender da agilidade com que este governo vender tudo o que puder – almas mortas e consciências elásticas – para que haja condições materiais concretas de uma eleição indireta.

Ora, este governo da Medida Provisória para o ensino médio também quer a aprovação de outra metida, aquela do teto dos gastos públicos. Nesta medida se prevê que por vinte anos os orçamentos terão um acréscimo equivalente à inflação. Haverá, pois, um congelamento orçamentário.

Sobram então duas hipóteses. Vale uma ou outra. Ou o MEC está com um orçamento neste ano claramente folgado, com sobra de recursos (que Henrique Meirelles não ouça isso!) e poderá então enfrentar a promessa de recursos para implementar a reforma do ensino médio; ou o MEC está com um orçamento comprometido com as ações que já desenvolve, o que é mais provável, e não terá qualquer recurso para repassar para os estados, entes mantenedores do ensino médio do país.

Como a segunda hipótese é a mais próxima da verdade, então Michel Temer elaborou a medida provisória na entre-escuta com os empresários e está agradando a estes com recursos alheios, dos Estados. Ele agrada a quem quer agradar; os governadores pagarão a conta.

Afinal, oferecer os tais aprofundamentos se tornou obrigatório. Com eles, aqueles estudantes que optarem pelas Humanidades estudarão Filosofia, Sociologia, Antropologia; aqueles que se dirigirem às ciências exatas e da natureza não precisarão qualquer rudimento de reflexão epistemológica, pois afinal são ciências exatas, não há o que discutir e pesquisar. Está tudo pronto… E aqueles que optarem pela profissionalização, para que pensar? Basta saber apertar o parafuso.

Mas como farão isso as escolas sem aportes financeiros novos? Ou acreditamos que as escolas de ensino médio já dispõem de bibliotecas, laboratórios de informática, oficinas e todo o material necessário – o que não é o caso – ou a profissionalização pretendida será mesmo de saber apertar parafusos e nada mais! Mas isso talvez baste para que não pensem, sonhem com o mercado de trabalho que estará de portas abertas para eles… porque quem trabalha não tem tempo para pensar. Afinal o lema do governo provisório é “Não fale em crise, trabalhe!”.

Sei que a questão do financiamento não é o maior problema desta reforma do ensino médio. A exclusão de disciplinas é, para dizer o mínimo, de uma desfaçatez enorme. Duvido que o consultor Alexandre Frota tenha concordado com a exclusão de Artes e Educação Física para os jovens do ensino médio. Afinal ele sabe que para ser ator de filme pornô há que ter quilométrica ‘capacidade artística’ e excelente preparo físico. E ser ator de filme pornô poderá ser uma das profissões a serem oferecidas, já que o novo ensino médio será muito mais atraente como diz em capa – porque não a leio – uma execrável revista semanal, que se junta ao coro de sempre para laudar tudo o que fizer o provisório governo que ajudaram a se estabelecer a fórceps e a julgamentos fajutos.

Há ainda outra questão embutida nesta Medida Provisória, cujas consequências somente poderão ser aquilatadas no futuro. Trata-se do fato de que qualquer um com “notório saber” poderá se tornar professor de qualquer disciplina. Assim, os professores de Educação Física que ficarem desempregados poderão dar aulas de Física depois de um treinamento de cinco semanas… Os professores de Artes poderão assumir as aulas de Desenho Industrial ou coisa semelhante. Têm todos notório saber pois são já professores. Mas também noutras disciplinas teremos novos docentes: escritores e jornalistas darão aulas de português; qualquer falante de inglês ou espanhol, que tem notório saber da língua, darão aulas de Inglês e Espanhol; engenheiros darão aulas de matemática, física e química. Para esta área também se candidatarão farmacêuticos e agrônomos. Para a Biologia poderão candidatar-se dirigentes destas ONGs que cuidam de cachorros, gatos e cavalos abandonados. Afinal tratam da vida, e quem trata da vida ensina Biologia. Talvez repartam suas aulas com agrônomos, horticultores e fazendeiros que assumiriam os pontos de botânica.

Com isso, poderão ser fechados todos os cursos de licenciatura e de pedagogia das universidades federais! Taí: é da economia com o fechamento destes cursos que sairão os recursos necessários à implementação da reforma do ensino médio!!! Como demorou para a ficha cair!!!