por João Wanderley Geraldi | jun 30, 2016 | Blog
Demorei para compreender a razão de o governo interino ter pedido um valor tão alto de déficit público parao orçamento deste ano. Enquanto a presidente anterior havia pedido menos de 100 bi, o que pediu Temer/Meirelles/Romero Jucá foi quase o dobro. Um governo esperto, ladino, que sabe como fazer as falcatruas legalizadas.
Com este deficit autorizado legalmente, comprou o apoio dos governadores renegociando as dívidas dos estados, aplicando só aí 50 bi; um tombo para a União, devidamente autorizado. Um tento político do governo interino que conquistou assim os governadores e lhes impôs o que eles desejavam: privatização de bens dos estados – aprofundando o programa neoliberal que conduz o governo da União – e proibindo novas contratações e aumentos de despesas de folhas de pagamento. A partir de agora, os governadores terão um fôlego para fazer obras, muitas necessárias outras nem tanto, mas todas de grande apelo eleitoral. E ainda poderão dizer aos funcionários públicos estaduais que não podem contratar substitutos, não podem elevar gastos por decisão do governo da União (claro, se possível, e em política isso é sempre possível) farão passar as decisões como “culpa” do governo petista, herança maldita, etc. etc. etc. Todos conhecemos este discurso que a imprensa fará até a exaustão.
Como vem fazendo em relação a Lula. Há que preparar o povo para sua breve prisão. Como Moro e cia. não encontram o crime – porque se já tivessem provas de crime, com a vontade que tem a força-tarefa de levá-lo à prisão, já o teriam prendido – a imprensa vem dando uma mãozinha (ou mãozona?). E isto se faz com a menção, sempre entre travessões, da expressão amigo do Lula.
No noticiáio de hoje, caindo em desgraça o queridíssimo pela imprensa comentarista econômico Delfim Neto, sempre assinando artigos nas páginas de reflexão de um grande jornal paulista, sempre entrevistado pela TV para comentar fatos econômicos, sempre badalado por entrevistadores e levado a programas como Roda Viva, eis que Delfim cai na delação da Andrade Gutierrez: recebeu 15 milhões por “consultoria” nos serviços prestados para compor o conglomerado que assumiu a construçao da usina de Belo Monte… Segundo a Lava Jato, são propinas.
Caído em desgraça, eis que a imprensa se lembrou do que sempre esqueceu enquanto ele estava em boas graças, enquanto ele era o queridinho comentarista econômico. Diz o jornalão, o Estadão, textualmente: “Delfim foi ministro da Fazenda (1867-1974) e criador do “milagre econômico” da ditadura militar. Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, foi seu principal conselheiro econômico. Nas delações da Andrade Gutierrez, Delfim e o pecuarista José Carlos Bunlai – amigo de Lula – foram apontados como os responsáveis pela formação do consórcio vencedor do leilão da usina de Belo Monte.”
Numa só cajadada, a imprensa nos mostra que tem memória – apenas havia omitido por longo espaço de tempo – que Delfim foi ministro da ditadura (ele assinou o AI-5, só para acrescentar) – mas que suas lembranças a respeito são extremamente seletivas, e a memória só passa a funcionar quando é possível ligar com Lula. Delfim, o ministro da ditadura, foi conselheiro de Lula… em economia, na mesma área em que foi o sempre consultado pela mesma imprensa que agora dá a entender que manteve sempre distância do ex-ministro da ditadura. E logo apresenta o Bunlai, que tem como seu aposto necessário, perdendo seu nome qualquer referêrncia, amigo do Lula.
Como todo este esforço ainda parece insuficiente, deve a expressão estar sendo usada também nas páginas policiais (não as leio, porque já leio as páginas políticas). Por lá devem aparecer coisas como “X da Silva, que cumprimentou Lula no comício XXX, arrombou residências na região do Morumbi”; “X das Mercês, que votou em Lula em 2002 e repetiu o voto em 2006, estrupou M. das quantas” e assim sucessivamente.
De referência em referência, de amigo a amigo, o clima para a prisão do Nine, como Lula é conhecido nos corredores da Lava Jato num desrespeito e num preconceito que beira à crueldade explícita, está pronto. Breve teremos mais uma operação de guerra da PF.
Enquanto isso, o atual ministro da Justiça, pode passear tranquilo. Jamais aparecerá como aposto a seu nome na imprensa, que ele foi defensor do PCC!!!! Até que caia em desgraça também ele… afinal, os ministros do Temerbroso são tão breves quanto será sua interinidade.
por João Wanderley Geraldi | jun 28, 2016 | Blog
Há um bordão muito comum, inclusive entre analistas econômicos, que se repete sempre que críticas são feitas ao modelo atual do capitalismo financeiro. Não tendo como responder às críticas, os áulicos imediatamente usamo bordão: qual é a outra saída? Qual é modelo que “vocês” propões?
A perguntas desse tipo, penso que temos uma resposta mais ou menos óbiva: deem-nos o mesmo tempo que tiveram para chegarem onde chegaram que poderíamos construir outros caminhos de relações sociais mais equânimes e mais humanas. Sem criar os fossos que caracterizam o modelo a que os quinhentos anos de capitalismo chegou: um capitalismo virtual, de valores virtuais, sem lastro na economia real, em que lucros são registros contábeis sem correlação com o capital físico e em que a especulação financeira se sobrepõe à produção de bens, uma das bandeiras do velho capitalismo ultrapassado pelo “anti-modelo” neoliberal.
Acontece que aqueles mesmos que tiveram este tempo todo para construir o regime de exclusão que nos assola, querem respostas prontas como se o próprio neoliberalismo não tivesse história, tivesse surgido pronto e implantado sem passado. Que não tem futuro, todos sabemos – as bolhas estouram. Se na crise de 2007/2008 foram os derivativos das hipotecas, a próxima, dizem, será dos derivativos dos financiamentos educacionais. Porque os banqueiros não se emendam: continuam querendo registrar lucros sobre lucros. Todos já naturalizamos que devemos pagar para a manutenção de nossas contas nos bancos, ao mesmo tempo que sabemos que os bancos recebem nosso dinheiro, fazem negócios com nosso dinheiro, lucram com nosso dinheiro. E ainda cobram para ter nosso dinheiro que sustenta seus negócios. Fui bancário há muitos anos. Lembro-me dos fechamentos de balanços em que ficávamos – não existiam registros por computador ainda – dias seguidos calculando os juros que eram pagos aos correntistas, isto é, aqueles que tinham conta corrente. O banco paga juros, baixos é verdade, mas pagava. Hoje cobra mensalidades, anuidades e também o ar que você respira quando entra dentro da agência para fazer um saque no caixa eletrônico.
Pois este modelo financiasta do capitalismo foi sendo construido dentro do próprio capitalismo e é pois seu caudatário. O neoliberalismo como consciência explícita de um modelo pode ser recente, mas sua construção se fez no longo tempo, ao contrário do tempo que seus áulicos hoje querem conceder a outras vias de construção social.
É particularmente interessante que este bordão acaba sendo o modo de reação política da grande massa popular. Concedem 4 ou 8 anos a políticos de esquerda que, assumindo o poder, têm que negociar passo a passo qualquer implementação de programa que façam uma pequena curva no modelo concentrador de renda, como o Bolsa Família, o FIES, o Prouni, etc ou programas como ciclovias e melhoria dos transportes públicos com corredores de ônibus em São Paulo, e já a grande maioria começa a se cansar porque esperava soluções imediatas e um mundo novo da noite para o dia. E não há passe de mágica, particularmente porque eleições não são revoluções, mas processos de avanços da democracia e da aprendizagem da submissão à vontade da maioria (ainda que Aécios et caterva não aceitem resultados, e produzam golpes parlamentares para assumirem o poder).
Mas este não é um fenômeno apenas nacional. Nas eleições espanholas podemos comprovar o mesmo fenômeno: o PODEMOS e a Esquerda Unida perderam mais de 1,2 milhões votos em relação à eleição anteior. Em Portugal se sucedem governos de partidos de direita, seguidos de partidos de esquerda. Na França ocorre a mesma coisa, com um crescimento contemporâneo de extrema direita, de M. La Pen.
Parece que este troca-troca de perspectivas ideológicos responde muito mais a uma impaciência e pressa nas mudanças do que a uma posição política assumida pela população. Esta impaciência, no entanto, sempre tem beneficiado as perspectivas de direita, como se pode ver na maior cidade brasileira. A um curto período de governo de esquerda (Erundina), para mais tarde assumir Marta Suplicy, que todos sabemos nada tem de esquerda mas estava num partido mais comprometido com a esquerda. Depois, uma sequência de governos de direita que sempre conseguem apresentar-se como alternativas salvadoras, para que tudo permaneça como está. Certamente as eleições municipais deste ano mais uma vez repetirão o mesmo figurino: para a esquerda quatro anos, para a direita 12, 16 anos. E quando a esquerda assume, se quer que ela resolva tudo o que a direita não resolveu nos muitos anos de governo. É como se apresenta do Sr. Delfim Neto na mídia, a ensinar o que deve ser feito… esquecendo todos que ele foi um signatário do AI-5 e maquiou criminosamente dados econômicos. Mas ele, sendo da direita, não comete crimes de responsabilidade, como todos sabemos.
por João Wanderley Geraldi | jun 27, 2016 | Blog
O mundo acadêmico tem seus ritos. Muitos deles extremamente adequados às circunstâncias da produção de conhecimento. Outros um pouco menos. Por exemplo, sempre achei que a ‘meritocracia’ não deveria ser a base para as decisões das instâncias acadêmicas. Sabemos em que resultam estas ‘meritocracias’: os programas de pós-graduação melhor avaliados conseguem maior número de bolsas para seus estudantes, e por isso mesmo têm melhores condições para continuar a serem os melhores avaliados e assim sucessivamente, estrangulando-se toda a ação que tente ultrapassar as barreiras impostas pela ‘meritocracia’, cujos critérios são escritos precisamente porque aqueles que estando no topo das avaliações, voltarão a ser por ela beneficiados.
É preciso achar um modo de romper a cadeia de elos assim formada, para poder abrir espaço para a emergência do novo. E o pior é que esta sistemática se espraia por todas as formas de financiamentos dos chamados ‘órgãos de fomento’ que agem como se os recursos que gerem não fossem públicos, mas de sua propriedade. A CAPES quer assim, o CNPq quer assado, a FAPESP quer mal passado, o FAPERGS quer bem passado, e assim se vão os recursos em geral para os mesmos candidatos.
Aliás, sei de uma história nos tempos em que ainda militava na academia. Certa professora foi indicada e assumiu no comitê de avaliação de um destes órgãos. Na primeira reunião do “novo” comitê de que participou, entrou em pauta um pedido de seu grupo de um financiamento que só para este grupo levaria 50% da verba destinada pelo CNPq à área! E a conselheira (sei lá como se chama quem é membro de um Comitê) nem se deu por achada – permaneceria na reunião que decidiria seu pleito, se não fosse um dos membros, e desafeto seu, ter pedido que ela se retirasse para que os demais membros decidissem a questão. Note-se, era um desafeto. Pois se retirou, mas o espírito de corpo dos ‘eleitos’ não se viu eticamente chateado e aprovou o emprego de 25% do orçamento da área num único projeto!
Do meu ponto de vista, simplesmente um membro de um comitê de avaliação não deve, eticamente, sequer encaminhar pleitos enquanto estiver no comitê. Mas acho que sou aquilo que antes chamavam de ‘normalista’, para não chamarem de moralista.
Pois há outro rito: aquele da avaliação cega! Ainda que eu seja membro de inúmeros Conselhos Editoriais de revistas, não vejo nenhuma razão para o anonimato de pareceristas. Afinal, ler um texto para avaliá-lo é um trabalho que abre possibilidades de diálogo com xs autorxs. Mas o rito acadêmico não permite isso, exige anonimato do parecerista.
Que o texto venha sem indicação para evitar que a leitura do parecerista seja conduzida por posições assumidas no interior da academia, acho correto, embora seja praticamente inútil, já que os interlocutores do autor do texto o mostram e ao mostrarem indicam as pistas das correlações e afiliações não só teóricas, mas também de correlações na academia.
Mas uma vez feito o parecer, o diálogo (ainda que polêmico) deveria ser da vida do mundo acadêmico. Quando elogioso, dá a quem se submeteu uma resposta positiva que lhe permite continuar seu trabalho (elogios no mundo acadêmico são raros, afinal “Deus criou o acadêmico e o Diabo criou o colega”). Quando apresenta sugestões, críticas ou opiniões desfavoráveis, estaria aberto o caminho para o diálogo, e este permitiria o avanço do conhecimento na área e no foco específico de um trabalho. O diálogo polêmico deveria ser o cotidiano da academia. Mas não é assim. O parecerista escreve, seu texto é enviado ao(s) autorx(s) e encerrou-se o assunto.
Acabo de receber de uma colega – ressalto imediatamente, esta colega não foi minha aluna e muito menos minha orientanda – dois pareceres sobre um artigo que ela e um orientando submeteram a uma revista. Não conheço o artigo, e devo deduzir dos pareceres que li, que o artigo tem problemas bastante significativos e que um diálogo sério com os pareceristas poderia fazer os autores melhorarem seu trabalho – isto se na academia prevalecesse o espírito de cooperação e não o espírito de concorrência.
Não estou entrando no mérito do artigo submetido e nem dos pareceres. Mas devo entrar no mérito de um argumento que aparece num dos pareceres, porque ele demonstra o quanto há acadêmicos pretensiosos que abraçando uma teoria dialógica, adonam-se de autores e das compreensões de seus escritos, fechando-lhes os sentidos possíveis e tornando sua obra um cadáver a ser minuciosamente autopsiado.
Assumem que é precisos definir o sentido “como ele de fato foi” elaborado no contexto da escrita, desconhecendo a história das leituras e os muitos textos que dialogam com a fala do autor, que não sendo Adão, nunca estará proferindo a primeira palavra, porque só há adãos no mito ou na consciência estúpida de acadêmicos pretensiosos. Que não há o fechamento dos sentidos aprende-se na própria teoria de que falam o artigo e os pareceristas. Mas é o argumento de um deles que me interessa ressaltar. Consideremos o argumento em questão:
“Um dos defeitos principais do artigo é que as referências à obra de Bakhtin são vagas demais. Em dez páginas, A apresenta só uma única citação original e verbatim de Bakhtin. Outro defeito é que A tira o seu conhecimento da obra de Bakhtin principalmente de segundas fontes e de autores que nem sabem ler Bakhtin no original. A publicação do artigo tem que ser rejeitada.” (grifos meus).
Bom, não trazer para o interior de um artigo a voz precisamente do autor principal é um defeito que merece correção imediata. Tem o parecerista toda razão em espinafrar o texto que lhe foi submetido. Mas a segunda parte do argumento é simplesmente produto de uma grandiosa pretensão, principalmente em se tratando da teoria bakhtiniana das compreensões e interpretações de textos.
“… autores que nem sabem ler Bakhtin no original” parecem não merecer qualquer respeito. Realmente, há entre os bakhtinianos brasileiros uns três ou quatro estudiosos que leem Bakhtin em russo. Um deles já não dá mais pareceres para revista alguma, ainda que tenha sido o primeiro a trazer Bakhtin para o Brasil, especificamente para os estudos literários. Dois destes leitores de Bakhtin no original são seus tradutores. Um deles reconhecido como tal. Outra, menos conhecida como tradutora, pois apresentou publicamente – em obra publicada em livro – uma tradução de um artigo, tradução em co-autoria.
Como a reclamação do parecerista é contra a citação de autores que não sabem ler Bakhtin em russo, isto significa que o parecerista sabe ler, o que reduz o tal parecer cego… Isto é incrível. Se for parecerista tradutor, ele mesmo está dizendo que ler seu trabalho de tradução é uma bobagem porque não compreenderá Bakhtin! Ou seja, seu trabalho de tradutor é inútil, já que autores que leem Bakhtin em traduções não são confiáveis. Ou não seriam confiáveis os tradutores?
O que mais faz pensar é que na teoria bakhtiniana, o texto tem sua vida nas compreensões que dele fazem seus leitores… O autor não é dono das palavras, porque a palavra é uma ponte que liga locutor a interlocutor. Ora, se a leitura do tradutor não tem valor algum, e se a leitura que se faz da tradução tem menos valor ainda, então a palavra bakhtiniana tem um valor fundado, fixo, determinado, desde sempre estabelecido. Ou seja, não há processos de compreensão, não há processos de interpretação. E a palavra, ao contrário da tese defendida pelo Círculo de Bakhtin, não é uma ponte que liga locutor e interlocutor! Só existem sinais, não signos.
Assim, tudo o que resta é reconhecimento (no sentido que dá a este termo Bakthin(Volochínov) – cito como foi editado o livro no Brasil – em Marxismo e Filosofia da Linguagem). Ressalte-se aqui mais uma vez o perigo apontado: o conceito de reconhecimento tal como aparece no texto traduzido pode ser o da compreensão dos tradutores (o que mostraria a vitalidade do texto original segundo a teoria bakhtiniana), e não a ‘compreensão correta, definitiva, já dada e para sempre estabelecida pelo locutor Bakhtin’, apreensível somente por aqueles que o leem no original, como quer dar a entender este parecerista pouco bakhtiniano, ou superficialmente bakhtiniano.
O mais cômico deste argumento é que ele jamais seria usado para avaliar artigos de outros autores que pertencessem ao mesmo grupo em que circulam tais pareceristas (mantida a ideia de parecer cego) pois são autores que também não leem em russo! Mas estes, que são do ‘nosso grupo’, sabem das coisas e fazem as leituras corretas! Fazem as leituras autorizadas – por quem, cara pálida?
Volto a insistir, não estou defendendo que o artigo submetido deveria ser aprovado, porque sequer o conheço. Já no segundo parecer que recebo por desabafo dxs autorxs avaliados, há inúmeras críticas que se correspondem à verdade, merecem integral apoio. O artigo precisa ser reescrito se justas as críticas.
Mas há algo de fechamento de diálogo, de definição, de causa finita: a reflexão feita não merece sequer continuar a ser feita, ao que tudo indica pelo ethos dos dois pareceres. Ou merece ser feita, mas não por estes sujeitos da enunciação, porque estes circulam por lugares pouco recomendáveis e pouco ‘acadêmicos’ porque a definição do que seja acadêmico e do que seja recomendável já foi dada pela relação de forças e de acesso às benesses da meritocracia dos meios universitários e de seus financiamentos.
por João Wanderley Geraldi | jun 27, 2016 | Blog
Há uma grande novidade entre nòs: o exemplo que estudantes estão dando na luta pelos direitos de acesso a bens culturais, a uma educação de melhor qualidade. Em suas ocupações, descobrem os desperdícios do tal “custo Brasil”: livros comprados e estocados, porque houve verba para a compra, mas não há verba para estantes onde os colocar! Os livros são enviados para a escola, para constituir a biblioteca, mas as salas estão ocupadas todas com turmas de alunos – e ficarão ainda mais ocupadas com a reorganização que apesar de tudo os tucanos paulistas estão pondo goela abaixo, para venderem os terrenos bem situados para a especulação imobiliária… Por exemplo, em Campinas, uma das escolas a serem fechadas é precisamente a antiga Escola Normal, um prédio histórico do início do século XX (a escola foi inaugurada em 1903).
Em lugar de pensar o desafogo no espaço das escolas para que computadores que estão encaixotados, para que livros estejam à disposição dos estudantes em salas amplas, para que hja espaço razoável para oficinas extra-curiculares, os governos querem mesmo é fazer economia burra, porque comprometem o futuro, fechando escolas e vendendo patrimônio. Como não são administradores, mas guarda-livros (sem nenhuma conotação pejorativa aos contabilistas), administram para fazer bater crédito e débito, como se pensar o futuro de uma sociedade fosse uma questão contábil e somente contábil.
Pois a ocupação ficou na moda. Agora a PF também fez sua ocupação, desta vez da sede do PT. Ocupou para desconstruir um partido. Mas aqui não há nenhuma novidade, apenas o esperado da atuação da força-tarefa da Lava Jato. Todos sabem que o objetivo da Lava Jato é destruir o PT – que cometeu inumeráveis e abomináveis erros, entrou na vala comum do modo de fazer política na sociedade, imitando o partido que substituiu no Executivo nacional. Aliou-se a deus e ao diabo para ter “governabilidade”, e pagou para tê-la. Todos sabem. Mas somente quem pagou paga o pato, quem recebeu não paga só recebe.
Ninguém pode negar que há outros partidos envolvidos nesta lama toda da corrupção: PMDB, PSDB, PP nominadamente. Mas a PF somente tem interesse no PT. E a razão disso não é somente o combate à corrupção (o novo governo perdeu em apenas 30 dias três ministros por envolvimento com corrupção). Mas há uma ordem clara, clarísima, na PF curitibana, na Procuradoria curitibana, no juízo de Sérgio Moro: trata-se de destruir um e somente um partido, e todos os que o lideraram e se possível todos os que nele atuaram como militantes, e se possível – sonho meu, sonho meu… – todos os que nele votaram. Para limpar o Brasil não da corrupção, que sempre os há e em todos os partidos, mas para limpar o Brasil dessa pretensão de incluir pobres em nosso meio, estorvando nosso tráfego, ocupando nossos bancos escolares, comendo nossa comida!!! Há que acabar com isso, há que limpar o país disso tudo, destas pretensões.
Depois, tudo voltará ao normal. Aécio Neves poderá continuar a receber sem que seu nome apareça nos noticiários de forma negativa – esta exposição foi um azar da ação de limpeza. Todo o PMDB poderá continuar com seu fisiologismo pago; a bancada da Bíblia poderá ter seus financiamentos garantidos pelos pastores (empresas não podem fazer doações eleitorais, mas igrejas podem, fieis podem, bispos podem). Tudo voltará a seus eixos se o PT deixar de existir.
Por isso, minha sugestão é a auto-dissolução do PT. É mais ético, é mais barato, é menos estressante. Não sem antes prenderem o Lula e a Dilma. Só para garantia de que o passado não será removido no futuro.
Aprendamos com as ocupações: a dos estudantes aponta para um futuro, a da PF aponta para um passado secular. Quais das ocupações ganhará a longo prazo na sociedade brasileira? Seremos para sempre a sociedade do século XIX, ou entraremos finalmente no século XX antes de chegar o século XXII?
por João Wanderley Geraldi | jun 24, 2016 | Blog
Uma das características que permanecerá na história do Grande Tempo relativamente ao século passado será o conjunto das tentativas de construção da solidariedade entre as pessoas e entre os povos. As utopias que enterraram os regimes monárquicos – as monarquias ainda existentes são meramente simbólicas – foram construídas ao longo do século XVIII, particularmente a definição de que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. O longo processo de implementação das democracias percorreu os séculos XIX e XX. No final do século XIX outra utopia foi elaborada, aquela cujo núcleo poderíamos chamar de “solidariedade”, em que o individualismo típico da aristocracia e dos nobres de todas as espécies vinha sendo substituído por uma relação de solidariedade.
Obviamente esta solidariedade não construiu qualquer igualdade, mas distribuiu de alguma forma e de forma melhorada o acesso aos bens sociais produzidos no interior de uma sociedade nacional. Talvez o melhor exemplo deste processo de solidariedade maior tenha sido a construção vagarosa do Estado de Bem Estar Social, experiência particularmente bem sucedida na Europa, e dentro dela, na Escandinávia.
Paralelamente a esta construção, outra começou a ser cuidadosamente elaborada: a solidariedade entre nações, entre culturas superficialmente muito diferentes, mas com um fundo comum que poderia unir os diferentes estados. O exemplo mais típico desta construção frágil é a União Europeia. Certamente houve outros grupos de nações reunidas, como a União Soviética, mas esta união na resultava do projeto de construir solidariamente uma sociedade, mas por uma imposição, e por isso mesmo não faz parte do mesmo movimento ainda que o internacionalismo comunista, em sua elaboração inicial, era a construção desta mesma solidariedade.
Seguindo o modelo da União Europeia, mas tomando apenas a questão das relações comerciais como fulcro, já que se iniciara com o neoliberalismo o velório da solidariedade, outras tentativas de formação de blocos já não estavam alicerçadas na vontade política da solidariedade, mas na tentativa de sobrevivência num mercado globalizado e extremamente desumano.O Mercosul é um exemplo deste tipo de “solidariedade de sobrevivência econômica”.
Ao velório da solidariedade entre os povos, fundado no individualismo exasperado proposto pelo neoliberalismo econômico, deveria se seguir necessariamente a procissão de seu enterro. Os britânicos são os primeiros da fila, a carregar consigo o caixão que contém o sonho da solidariedade entre os povos ainda que de grupos e ainda que desviada somente para os interesses mais imediatos da economia.
O féretro seguirá seu fim: o século XXI será o século da destruição de toda e qualquer solidariedade de cima para baixo, ao mesmo tempo em que contraditoriamente outras solidariedades provisórias, passageiras, frágeis e não formalizadas começam a aparecer de baixo para cima: a solidariedade entre os pobres, entre os excluídos. Deste ambiente considerado como o “lixo” social pela economia neoliberal em que cada indivíduo vale pelo seu poder de consumo, é deste lugar que emergirá o futuro do século XXII…
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