Tudo se inclina para o sangramento

Giorgio Romano Schutte, holandês aqui radicado e professor da Universidade Federal do ABC, especialista em economia internacional, em entrevista a Carta Maior em 29.08.2015, faz uma análise da caminhada do Brasil passando de “queridinho” internacional para um problema internacional. E mostra isso na leitura de jornais como New York Times, Financial Times, etc. Aponta para os seguintes fatos: 1. a pedido de Obama, Lula e Celso Amorim se encontram com o presidente do Irã e fecham um primeiro acordo sobre a exploração de energia nuclear iraniana. No script não estava previsto que Lula tivesse sucesso na tarefa, e isto desagradou a diplomacia internacional e particularmente Israel, como se sabe, tem força incomparável nos EEUU; 2. em 2010 Lula consegue a aprovação do marco regulatório da exploração do petróleo, em função do pré-sal, mudando as regras estabelecidas no governo FHC. Isto desagradou profundamente as petroleiras e os interesses internacionais; 3. Face ao tsounami de dólares emitidos pelos EEUU durante a crise para resolver seus problemas, com que inundou de dólares o mundo, os juros da taxa Selic foram reduzidos no governo Dilma e isto não agradou ao financismo internacional; 4. no golpe paraguaio, Dilma não reconheceu imediatamente o novo governo, e estando na presidência do Mercosul, suspende o Paraguai e convida a Venezuela para entrar para o bloco. Tudo isso tornou o Brasil não confiável e desagradou os interesses internacionais. Não há um complô internacional contra o Brasil, obviamente. O que há é atitudes do governo brasileiro, ao longo dos anos, de não alinhamento aos interesses internacionais. E isto desagrada.

Mas que isso tem a ver com a crise política e a crise econômica atual? A taxa Selic voltou a agradar os banqueiros… as medidas administradas por Levy são do agrado aos interesses financeiros internacionais; o coveiro mor do país, José Serra, apresenta um projeto de lei para retornar ao status quo ante na regulamentação da exploração do pré-sal, num momento em que o governo está sem base parlamentar e por aí as coisas ficarão adequadas aos mesmos interesses; o governo está fraco e em consequência é extremamente cooptável para impingir medidas impopulares que não ficariam na conta da direita golpista.

Resultado: melhor sangrar este governo, mantê-lo até o final do mandato, sepultando através de várias outras ações a presidente, o ex-presidente e o PT. Assumir depois das medidas impopulares é bem melhor para uma manutenção do poder nas mãos daqueles que sempre dele se beneficiaram, mesmo durante os governos petistas.

Só faltou “combinar com os russos”. Os apressados investigadores da Lava-Jato; o impoluto e bem pago juiz Sérgio Moro; o Gilmar Mendes que chafurda nas contas eleitorais achando crime nos financiamentos (as mesmas empresas doaram para a campanha de Dilma (60 milhões) e para a campanha de Aécio (40 milhões) têm tratamentos diferenciados – para a Dilma é dinheiro da corrupção, para Aécio é dinheiro limpinho e divino) e o quixotesco e desconhecido Augusto Nardes que presta serviços diretos ao PMDB porque pela via do TCU, Michel Temer assumiria a presidência, para a qual já se prepara a olhos vistos: os ratos são os primeiros a abandonar os barcos.

Assim, chegamos ao impasse – a imprensa conservadora mas que sempre dança a música dos grandes interesses (Globo) se retrai. Mas se retrai na sua programação em TV aberta, com o JN destinado ao grande público, mantendo um pé no golpismo na GloboNews destinada aos mais bem aquinhoados; o Estadão e a FSP, maiores jornais impressos, permanecem golpistas mas querem desembarcar do navio conduzido por Eduardo Cunha, cujos interesses para a chegada à presidência por 90 dias são a porta de entrada para estrupolias que Aécio consertaria depois!

Nesta quebra de braços, parece que o pêndulo vai para as eleições de 2018, como bem quer Geraldo Alckmin, onde o trensalão não encontra um Sérgio Moro pela frente.  Sangrem-se Dilma, Lula e o PT. A não ser que haja alguma coragem para uma quinada à esquerda que não haverá. 

Já ouvi este discurso

Hoje o General de Exército R/1, Rômulo Bini Pereira, publicou em O Estado de S. Paulo, uma análise sobre a consolidação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Ao lado, na mesma página, o coveiro-mor do país, José Serra, publicou também seu texto “Quando a queda do governo é a solução…” defendendo o parlamentarismo. 

Nada mais ‘edificante’ do que ler estes dois textos. O preocupante é reencontrar um discurso já conhecido para quem era vivo quando do último golpe de estado. Transcrevo apenas um parágrafo do Sr. General: “Diante de qualquer desafio à ordem constitucional, as Forças Armadas interviriam, respaldadas nos artigos do Título V da Constituição que tratam da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, das quais são legítimas fiadoras.” Alguém já ouviu isso? Lembra-se disso? Quando a democracia tem como sua fiadora não o povo, mas as forças armadas, estamos à mercê de um golpismo disfarçado… particularmente porque todo o texto dá a entender que “a sociedade está cansada da empulhação incomensurável destes últimos anos”.

Sinal verde para o golpe? Para o parlamentarismo mais uma vez, com em 1961?

 

Salário do juiz Sérgio Moro em abril passou de R$ 77 mil.

Salário do juiz Sérgio Moro em abril passou de R$ 77 mil.

 Só este ano, magistrado recebeu duas vezes o dobro do teto. Salário do juiz Sérgio Moro em abril passou de R$ 77 mil.

A notícia que transcrevo abaixo é do jornal O Dia.

Há dois poderes no Brasil que dão nomes particulares às férias: o Parlamento entra em recesso; o poder judiciário tem “férias forenses”. Mas os juízes sempre têm férias por receber, porque não há registro de que gozem de férias durante as “férias forenses”: eles continuam a despachar normalmente, a estudar os processos, a emitir sentenças, seguindo a rotina dos períodos de atividade plena.

É por isso que a justiça brasileira é tão rápida e eficiente. E como é justo, recebem em pecúnia o dinheiro de suas férias, sem terem usufruído de qualquer descanso. Assim, os processos, como se sabe, não se acumulam. Tudo é despachado nos prazos da lei (por exemplo, estou envolvido num inventário que está em processo de tramitação extremamente rápida, desde 2005, sem a expedição do formal de partilha e sou avisado pelo cartório que demorará ainda um bom tempo). Note-se também que os tribunais superiores julgaram que todo e qualquer penduricalho que receba um professor universitário do estado de São Paulo, conta para compor o teto fixado, que é o subsídio mensal do governador. Obviamente a regra vale para todo o funcionalismo público de São Paulo. Será que valerá também para o poder judiciário? Todos os membros do TCE e da justiça terão este teto mensal? Como a lei é cega, creio que sim.

Replicado do jornal O Dia

Salário do juiz Sérgio Moro em abril passou de R$ 77 mil

Só este ano, magistrado recebeu duas vezes o dobro do teto

MARIA LUISA BARROS

Paraná – Idolatrado pelos brasileiros que exigem o fim da corrupção no país, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, é um dos muitos magistrados beneficiados por uma prática legal, mas questionável do ponto de vista moral: a dos supersalários pagos aos servidores da Justiça no Brasil. Graças a uma generosa cesta de auxílios e adicionais eventuais, Moro tem recebido no contracheque muito acima do teto, que é limitado ao salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 33,7 mil.

O artifício muito utilizado pelos tribunais fez com que o salário do magistrado chegasse a R$ 77.423,66, no mês de abril. Desse total, R$ 43.299,38 foram referentes a pagamentos de férias, 13º salário, atrasados e outros. No valor bruto, estavam incluídos ainda R$ 5.176,73 de auxílios para ajudar nas despesas com alimentação, transporte, moradia e saúde. O levantamento, feito pelo DIA no portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), mostra que, de janeiro a julho deste ano, Moro recebeu, por quatro vezes, rendimentos superiores a R$ 63 mil. Nos meses sem gratificação (março, maio e junho), o salário do magistrado, que é lotado na 13ª Vara Federal de Curitiba, não passou de R$ 36 mil. Além dele, há juízes cujos vencimentos ultrapassam R$ 100 mil por mês.

O expediente de criação de penduricalhos foi criticado pelo deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). “A limpeza deveria começar pela remuneração desses juízes e desembargadores que recebem acima do teto constitucional, em manobras  que não fazem bem à democracia e à moralidade”, disse. As informações sobre o descumprimento do teto salarial na magistratura foram publicadas, na última semana, no site Consultor Jurídico. A análise foi feita pelo procurador federal Carlos André Studart Pereira, a pedido da Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf), e enviada a parlamentares. De acordo com a reportagem, o teto que deveria limitar o aumento de salário, na verdade, se tornou piso para magistrados.

moro

 

 

Quinta-feira nas ruas

Embora alguns comprometidos comentaristas em jornais tenham tentado fazer um humor sem graça, chamando a manifestação de quinta-feira como o “protesto a favor”, creio que o mais justo é chamar de um protesto contra: contra a articulação golpista, pedindo respeito ao voto que elegeu Dilma; contra a política econômica do governo; contra o explosivo presidente da Câmara dos Deputados. Aliás, no domingo anterior, um cartaz me chamou atenção: “O Cunha é corrupto, mas está do nosso lado”!!! Um paradoxo para quem estava na rua em defesa da lisura nos negócios públicos… Nem quero comentar a entrevistada que se diz de direita, e quando lhe perguntam a razão de ser de direita, chama a mãe para “ensinar” a responder!

Mas há que apontar: o número de cidadãos presentes à manifestação de quinta-feira foi bem menor do que aqueles que foram às ruas no domingo. Ou há uma imensa maioria silenciosa, ou há uma multidão que não pode ir às ruas num dia de trabalho, num período em que faltar ao trabalho pode ser bom motivo para entrar na lista das demissões. 

Não sei quando, mas tenho a esperança de que um dia os movimentos sociais, os partidos políticos e os sindicatos percebam que convocar a presença de trabalhadores nas ruas em dia de trabalho é impedir a adesão. As burocracias partidárias, sindicais e dos movimentos sociais talvez tenham perdido a noção do que significa faltar ao trabalho! Na quinta, a gente via até na TV as pessoas chegando quando a manifestação já estava terminando… Isso não ensina nada? Trabalhador não vai para a rua aos domingos? Ou são as lideranças que não querem ir para a rua aos domingos? Mantendo este mau costume, amargaram sempre um público quase decepcionante.

 

 

O projeto econômico sub-reptício

O projeto econômico sub-reptício

Uma empresa estatal do Paraná chamou Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista, ex-professor e ex-ministro das Comunicações do governo FHC, hoje dono da Quest Investimentos, entre outras coisas, empresa influente no mercado financeiro, construída certamente com o capital amealhado com o salário de professor, para proferir conferência aos executivos da empresa, nos múltiplos treinamentos que se fazem hoje em qualquer organização. Era janeiro de 2014, ano eleitoral e o governador do Paraná iniciava a campanha.

Em palavras para este público (executivos) é que podemos encontrar o que efetivamente pensa a inteligência que pretende retornar ao governo de qualquer modo. Mendonça de Barros é economista ouvido por seus pares, hoje vinculado ao mundo do capital financeiro, com influência no que poderá ser o projeto de uma “nova política” para o Brasil.

Pois nesta palestra, intitulada “Brasil: o fim de um modelo ou um ajuste cíclico?”, Mendonça de Barros nos apresenta inúmeros dados expostos em tabelas. Destas, chamo atenção para dois de seus gráficos, um sobre o desemprego e outro sobre o perfil de renda da população, distribuída esta em dois grupos (faixas ABC / DE): 

tabela 1G

 

tabela 2G

O primeiro gráfico nos mostra que desde 2004, estamos cada vez com menor taxa de desemprego. Ou se quisermos falar em termos positivos, houve um aumento contínuo de postos de trabalho nos últimos 10 anos.

O segundo gráfico nos mostra um período que vai de 1993 a 2011. Nele se pode verificar dois momentos distintos neste período: uma diminuição da pobreza entre 1993 e 1996, e depois um período de manutenção no mesmo patamar até 2003, quando começa um decréscimo significativo. Isto significa que o segundo mandato de FHC manteve estáveis os níveis de renda das classes DE; e que o governo Lula  diminuiu sensivelmente a pobreza.

Os gráficos não trazem novidade: repetem o sabido. Mas são importantes porque elaborados num dos “quartéis generais” do pensamento neoliberal. E eles reconhecem a queda do desemprego e o aumento da renda dos brasileiros (uma distribuição mínima da riqueza nacional de forma minimamente mais equitativa).

O que interessa mesmo, para termos uma visão do futuro que nos promete este tipo de pensamento político e econômico, são as conclusões do Sr. Mendonça de Barros e suas propostas para que um novo modelo seja aplicado, acabando com este ciclo de distribuição da riqueza (diminuição da miséria) e de desenvolvimento interno com emprego (diminuição do desemprego).

O economista defende a tese de que o Brasil está no fim do ciclo de aumento do emprego, dos salários e consequentemente da renda. Para ele, o país precisa de um novo modelo, obviamente aquele preconizado pela política neoliberal. Assim, segundo ele, as  “maiores taxas de desemprego até 2007 criavam alguma folga no mercado de trabalho permitindo a expansão do emprego sem forçar os salários. Essa capacidade ociosa não está mais presente”. Que isto quer dizer? Que é preciso aumentar o desemprego para que um suposto pleno emprego não force o aumento dos salários dos trabalhadores. Ou seja, melhor ter desemprego do que trabalhador bem pago. Uma taxa maior de desemprego permite baixas condições de negociações de salários. Que o digam os trabalhadores das pequenas cidades brasileiras que não tiveram o mesmo surto de crescimento que outras.

Por isso ele proporá, em suas próprias palavras, para política econômica brasileira dois caminhos que merecem o realce:

  1. O governo deve acelerar a exploração de serviços públicos pelo setor privado, principalmente no setor de infraestrutura; Políticas que aumentem a produtividade do trabalho também são necessárias;
  2. Será preciso retomar o controle dos gastos públicos e ancorar novamente o superávit primário, mesmo que em nível inferior ao que vigorou nos anos 2000; Adicionalmente, o governo deve adotar uma política menos agressiva de aumento real do salário mínimo para os próximos anos;

Infelizmente, o segundo mandato de Dilma, orientado por um economista da mesma escola de Mendonça de Barros, está realizando o projeto neoliberal. Mas a caneta continua fora das mãos do grupo político de que Mendonça de Barros é um dos gurus. E isto lhes é insuportável.

A questão a saber é: as multidões nas manifestações deste domingo concordam com este projeto para o Brasil? Sabemos que aqueles que irão às ruas no próximo dia 20/08 vão manifestar-se contra esta direção dos ajustes fiscais: mais desemprego, menos renda para o trabalho, e muito, mas muito mesmo, recurso canalizado como lucros para os bancos.