“Minhas nobres senhoras e meus senhores sofredores! Coragem! O Brasil ainda continua grande! Com minha mais orgulhosa humildade e minha mais impávida pureza da minha alma e do meu coração, virtudes que me são permanentes e verdadeiras por natureza, venho pedir-lhes as minhas ímprobas desculpas e implorar o vosso perdão pelas promessas rigorosamente cumpridas, desde o primeiro dia no cargo mais elevado do Brasil, que ocupo com muita honra. Promessas do bem-estar-de-todos. Só não peço desculpas e não imploro perdão somente àquela pequena minoria de donos do mercado e do mundo, os poucos satisfeitos comigo, que prometeram votar em mim se eu fosse candidato a presidente do Brasil. Não se incomodem com eles. São poucos. Quase ninguém, são menos de 1% dos brasileiros. Alguns nem brasileiros são. Mas, não é por vontade deles, e nem culpa deles, que todos, eles não, estamos sofrendo. É por culpa das minorias radicais de caminhoneiros grevistas. Por ordem deles – dos pouquíssimos donos do mundo – e vontade deles, menti tempo todo de mil e uma maneiras. E as mentiras sequer viraram verdades. Eu disse tempo todo que agora o Brasil ia melhorar. Disse que estava fazendo tudo para o bem de todos. Assim, procurei enganar a todos tempo todo e me enganei. Ninguém mais acredita em mim. Inacreditavelmente, me esqueci da inteligência e da sabedoria de vocês, daquela verdade popular científica, que vocês conhecem de cor e salteado: “a mentira tem pernas curtas”. E pior, descobri que minhas mentiras têm, além de pernas curtas, pernas quebradas. Mas, como eu sou muito persistente e tenho verdadeiro dom para isso, continuo dizendo que o Brasil está melhorando “para todos”. Continuo na perseverança, continuo acreditando naquela verdade científica, proferida há séculos pelo audacioso Voltaire “…Mentez, mentez toujours, il en restera quelque chose”, E se isso não é suficiente, então acredito, em nível mais elevado, na verdade sobre a mentira que o grande pensador Antônio Gramsci admoestou, que é preciso ter cuidado, porque a mentira dita muitas vezes de maneiras diferentes pode virar verdade. Por força desta crença, e antes de tudo e acima de tudo, eu não posso faltar à palavra e descumprir os acordos secretos e sigilosos dos poucos donos do mercado, que me apoiam diuturnamente. Embora eles permaneçam escondidinhos, protegidos por policiais e por juízes. Ninguém pode saber quem são. Só podem e devem aparecer os meus nobres e corajosos ministros. Ah, principalmente, o Parente. Estes, sim, são meus amigos fiéis e inseparáveis. Os verdadeiros novos “heróis da pátria” – da “Ordem e Progresso”. Assim, eu também quero ser herói. Exatamente do jeito que o justíssimo Moro se autoproclamou: “o herói do Brasil”. Com esta elevada nobreza, eu continuo ocupando o cargo de presidente do Brasil, porque conquistado e garantido pela Constituição brasileira. E digo a todos: “fico”. Orgulhosamente, Temer”.
Que bonito!
No curso da nossa história atual, primeiro veio a “tragédia” – a força dos movimentos de rua e a força da mídia hegemônica usadas para o golpe do impeachment de Dilma. Agora, a “farsa” – o golpista Temer e a mesma mídia hegemônica usam a força policial e militar para acabar a greve e conter os movimentos de protestos. Ainda hoje fico entusiasmado e alentado quando leio, releio as correções que Marx faz aos pensadores e historiadores sobre o golpe de Estado de Luiz Bonaparte. Marx adverte: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa […] Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. E sobre o papel e a força individual do golpista Bonaparte, Marx escreveu: “Eu, pelo contrário, demonstro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói”.
Fico me inquietando e perguntando, atormentado diante das circunstâncias – tragédia e farsa – em que vivemos: como analisar as forças determinantes, no seu todo, responsáveis por este caos assustador? As respostas são longas, diversas e complexas, mas continuo convencido de que precisamos, mais do nunca, analisar a conjuntura caótica na relação com os fatores de produção da estrutura e as forças ideológicas da superestrutura.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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